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Blog do Dan Josua

Para mudar algo na sua vida, pensar racionalmente não é a melhor estratégia

Dan Josua

28/12/2017 04h00

crédito: iStock

A primeira vez em que tentei ser vegetariano, eu ainda estava na faculdade. Um colega me emprestou um livro que discutia a ética de comer animais  diante do regime pecuário moderno. Os argumentos me pareceram sólidos e racionais e, quando terminei a leitura, estava decidido a nunca mais consumir carne. Fiz minha "despedida" em uma churrascaria rodízio, prometendo que aquela seria a última vez.

Pouco mais de um mês depois, eu já estava comendo carne como se nada tivesse acontecido.

A segunda vez foi após me contarem que um porco, quando consegue fugir da jaula, costuma passar abrindo todas as outras com o focinho. Quase dá para ver o coitado do porquinho (que eu apelidei de Karl) tentando levar o máximo de seus irmãos à liberdade. Na verdadeira Revolução dos Bichos, todos os porcos são iguais.

Na época, passei pouco mais de seis meses sem comer carne. Aos poucos, no entanto, retornei ao meu regime carnívoro de sempre.

Mas eu nunca mais consegui comer porco tranquilamente. A imagem desses animais, inteligentes como cachorros, se organizando para defender uns aos outros ficou fixa. É difícil me servirem bacon e eu não imaginar o Karl sendo sacrificado após a sua revolução. Colocam o bacon na minha frente e eu quase consigo ouvir o grunhido desesperado do porquinho. No meio desse berreiro imaginário, a comida fica bem menos apetitosa.

Infelizmente, nenhuma história de vacas ou bois grudou em mim da mesma forma. Muito menos de frangos ou peixes. Simplesmente nunca encontrei o apelo emocional.

Eu não consigo olhar para uma peça de picanha e ver o animal que ela foi. Eu enxergo, apenas, um pedaço de carne. Delicioso e desprovido de vida.

É óbvio que eu sei da onde essa carne vem, mas é como se o meu cérebro racional e o emocional não se comunicassem. E, sem o apelo límbico, o da área cerebral das emoções,  por mais que eu comece o regime com determinação (e já comecei algumas vezes), todas as minhas empreitadas vegetarianas terminam com a minha alimentação voltando ao normal.

O ponto deste texto, entretanto, não é convencê-lo a deixar de comer carne. Eu mesmo ainda não consegui fazer isso. O objetivo é mostrar a pouca eficácia de convencer racionalmente alguém a deixar de comer algo delicioso.

Quase todos os vegetarianos que conheço têm uma repulsa por carne ou, pelo menos, nunca foram muito fãs desse alimento. Eles, em geral, não conseguem impedir a associação emocional entre a atitude de comer carne e o sofrimento do animal. Para eles, não se trata de uma ideia abstrata, mas de uma reação gutural meu pedaço de bife é um resto de cadáver para eles (e como é difícil comer cadáver!).

A minha natureza, diferentemente, é carnívora. Eu tenho muita dificuldade para construir essa ponte entre a comida na minha frente e o animal que ela já foi. Assim, por mais que eu esteja absolutamente convencido (racionalmente) dos argumentos sobre o vegetarianismo, sempre me vejo gravitando de volta ao meu estômago. Ele exerce muito mais poder sobre o meu comportamento do que o meu cérebro racional.

E talvez seja isso o que precisamos fazer, se quisermos algo que vá contra a nossa natureza: parar de procurar argumentos racionais e, no lugar deles, construir armadilhas para nossas entranhas. Sermos convencidos com o corpo todo (e não só com a mente) de que a nossa decisão é a certa.

Pense como é mais fácil parar de fumar depois de uma tosse esquisita. Ou quando temos um filho e imaginamos ele crescendo sem a gente por perto. Pense também como é mais fácil comer de modo saudável depois de ver um amigo sofrendo de diabetes. É claro que não é impossível vencer só com a razão, mas fica bem mais tranquilo se usamos a emoção para nos ajudar nas mudanças.

No final, para convencer as nossas entranhas, precisamos de histórias. De imagens. De apelos emocionais. Pouco ajuda ouvir que o certo é fazer de outro jeito. É preciso procurar os "Karls" em nossas resoluções.

Eu vou procurar mais "Karls" para o meu vegetarianismo. Assim, quem sabe, finalmente conseguirei levar adiante a minha decisão de parar de comer carne. Mas só ano que vem porque jogar as mudanças difíceis para frente é outro dos meus talentos.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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