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Blog do Dan Josua

Pessoas que sentem demais: o transtorno de personalidade borderline

Dan Josua

01/03/2018 04h00

Crédito: iStock

Imagine-se tomando um banho de água quente. A água batendo no seu ombro e o vapor se agarrando ao espelho. Relaxante, né? Agora, imagine-se na mesma situação, mas com o corpo coberto de queimaduras invisíveis. De repente, o que era para ser relaxante torna-se uma forma de tortura. E, como os machucados na sua pele não podem ser vistos, todos olham perplexos enquanto você grita agoniado de dor.

"Nossa, mas você é muito fresco. Por que não relaxa no banho como todo mundo?", eles dizem.

Essas queimaduras invisíveis são um pouco da vida, muitas vezes sofrida, de quem tem transtorno de personalidade borderline (TPB). Essas pessoas têm feridas que as deixam mais sensíveis a emoções. Mas há um mundo que vive insistindo que elas estão exagerando, que não precisariam se sentir assim.

A conjunção desses dois fatores –uma maior vulnerabilidade do corpo a emoções e um ambiente que não reconhece o seu sofrimento como válido–  faz com que seja muito difícil para alguém com TPB regular os seus sentimentos.

Assim, esse indivíduo tende a oscilar entre polos opostos. Em um extremo, a pessoa com TPB concorda com o mundo e diz que, de fato, não deveria se sentir assim, tentando ao máximo suprimir suas emoções. No outro, quando não dá mais para esconder sua dor e o sofrimento fala mais alto, ela acaba gritando por socorro da maneira que pode. O que frequentemente vem com berros desesperados que pegam todo mundo de surpresa e faz com que algumas pessoas se afastem, assustadas com o sofrimento declarado.

Viver assim, sem se sentir compreendida, faz com que, aos poucos, a pessoa com TPB também deixe, ela própria, de se compreender. Não é de estranhar que, às vezes, mesmo rodeada de colegas, ela se sinta sozinha e tenha medo de ser abandonada. Essa, afinal, foi a sua história em diversos momentos.

O que a pessoa que tem TPB precisa fazer para mudar esse cenário passa por aprender a reconhecer o que é válido em suas emoções e as regular de forma mais efetiva. Também passa por aprender a construir relações interpessoais valorosas –e aprender a proteger as pessoas próximas das oscilações de humores que podem ser comuns no transtorno. Alguns tratamentos, como a terapia comportamental dialética (dialectical behavior therapy, ou simplesmente DBT), foram desenvolvidos para oferecer aos portadores desse transtorno as habilidades necessárias para construir todas essas mudanças.

Por fim, tanto para quem sofre quanto para as pessoas que amam quem sofre dessa forma, o que é necessário saber é que há esperança. Tratamentos eficazes existem. Procurem por profissionais, psicólogos e psiquiatras, capacitados a atender casos assim.

Mesmo no meio de tanta dor, é possível, com a ajuda certa, construir uma vida que valha a pena ser vivida.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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