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A mente extremamente exigente: o transtorno obsessivo compulsivo

Dan Josua

19/04/2018 04h00

Crédito: iStock

Assim que chega em casa, Maria precisa lavar as mãos com extremo cuidado. As palmas são viradas de um lado para o outro, enquanto a espuma é esfregada com vigor em cada milímetro de pele. É fundamental deixar toda a sujeira da rua do lado de fora.

Na verdade,  ela se sujeita cada vez menos a se contaminar. Aprendeu a abrir maçanetas com o cotovelo e evita encostar em qualquer objeto que possa ter passado por outras mãos. Nesse momento de sua vida, está difícil sair de casa e cumprimentar alguém normalmente – apesar de sentir falta da liberdade de percorrer tranquilamente as rodas de amigos.

Desse jeito, o que começou como uma mania de higienizar as mãos se torna algo sério.  Maria se vê cada vez mais isolada. Sua vida se transforma em um inferno preenchido por pensamentos de contaminação e rituais de limpeza.

"Eu não consigo tolerar essa sensação de contaminação. E se, justo quando não lavar as mãos, eu me contaminar com algum desses milhões de germes espalhados pelo mundo?"

 Quando é questionada se a probabilidade de ela de fato se contaminar dessa maneira é factível ou sobre a necessidade de esfregar as mãos até que pequenas feridas se formem, Maria admite não saber se nada disso faz sentido. Ela simplesmente não consegue deixar de pensar e agir dessa maneira. Mesmo reconhecendo que a atitude não é racional.

Cerca de 2% da população do mundo sofrem de alguma variação da doença que acomete Maria, o transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Ele pode apresentar muitas faces –os rituais de limpeza  sem fim são apenas um exemplo, mas seja como for, o TOC contém os dois elementos que fazem parte do seu nome : a obsessão e a compulsão.

Uma obsessão é um pensamento (ou imagem) recorrente e intrusivo. A pessoa até o considera indesejado ou muito desagradável, tanto que nota que precisa ser eliminado. Já a compulsão é o comportamento ou ritual pelo meio do qual ela tenta se livrar da tal obsessão. No caso de Maria, sua obsessão é a ideia fixa de que ela pode estar à beira de ser contaminada. E a compulsão é a mania de lavar as mãos sem parar.

O sofrimento de quem tem TOC costuma seguir um determinado roteiro. Pensamentos parecem invadir a mente. Esses pensamentos são encarados como extremamente desagradáveis e, portanto, precisam ser  suprimidos. Assim, o impulso de engajar-se em um ritual capaz de aplacá-los torna-se enorme.

Ao realizar esses rituais, a pessoa que sofre de TOC vê a angústia provocada pelos pensamentos repetitivos subitamente desaparecer. Aquilo parece até funcionar para lidar com a situação. E, justamente porque funciona, a pessoa com TOC passa a depender cada vez mais desses rituais. No entanto, ao poucos, o que começou como uma solução, vai se tornando a parte maior do problema.

Do ponto de vista de quem tem TOC, porém, o ritual é quase que uma necessidade. Para o paciente, o problema são os pensamentos, que, segundo ele, não são normais. A sensação frequente é de ser dominado por essas ideias e de estar ficando louco.

O que a pessoa com TOC não percebe é que pensamentos estranhos são comuns a todos nós. Quem nunca se viu invadido por um pensamento despropositado no meio de uma tarde chuvosa? Quem nunca se preocupou com germes ou contaminação? 

A verdade é que nossos pensamentos muitas vezes são como sonhos. Estranhos e esquisitos. Muitas vezes nem entendemos de onde vêm. A diferença de quem não sofre de TOC é que deixamos eles  irem embora por si só. Não nos apegamos a eles ou imaginamos que eles precisam ser eliminados imediatamente. Em geral, conseguimos ignorar a esquisitice antes que ela escalone desproporcional. O que muda, no fim das contas, não são os pensamentos (porque somos todos um pouco loucos), mas a nossa relação com esses pensamentos.

Assim, do ponto de vista do terapeuta, é necessário combater o ritual. Para que o paciente sinta que, mesmo sem ele, o pensamento pode ir embora. Ou, mesmo que o pensamento fique, ele possa se tornar apenas um pensamento.

Por isso, a terapia com mais evidências para tratar do TOC é o que chamamos de exposição com prevenção de respostas. A ideia, simples, é fazer o paciente entrar em contato com o objeto de sua obsessão sem ritualizar.

No caso de Maria, por exemplo, isso significaria sugerir que ela ficasse encostando a mão na maçaneta e impedi-la de correr para a pia ou de tirar o álcool em gel da bolsa. Assim, aos poucos, o resto do seu corpo aprende o que o seu lado racional já sabe: não é preciso ficar se lavando o tempo inteiro.

Se topar sujar suas mãos e não as lavar, Maria compreenderá que pode sobreviver ao incômodo de ver sua ansiedade subir e descer. Mais ainda, poderá entender que a vida boa é com as mãos sujas e cumprimentando amigos livremente. E note: se ela continuar pensando em lavar as mãos, tudo bem, isso é apenas um pensamento. E, como todo pensamento, se a gente deixar, ele vai embora.

E a vida reaparece.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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