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Blog do Dan Josua

O  machismo e o sofrimento silencioso do homem

Dan Josua

09/08/2018 04h00

Imagem: iStock

 

O professor, um homem que se formou naquela mesma escola alguns anos antes, entrega uma folha de papel para cada um dos alunos sentados em um círculo de cadeiras. Nela, o desenho de uma máscara. Sua instrução é simples: na frente, escreva os sentimentos e as atitudes que você deixa que os outros vejam na escola ou na rua, ou seja, o personagem que você precisa vestir para se sentir seguro. No verso, escreva tudo o que essa máscara esconde – os sentimentos que você procura não revelar a todo mundo. Depois, amasse a folha e jogue-a para alguém.

 

Ao lerem em voz alta o que está escrito nos papéis amassados que receberam, os alunos percebem como os temas se repetem. No lado da frente, o da máscara, expressões de autoconfiança. As do homem que tira tudo de letra, com um sorriso no rosto e a postura relaxada de quem não se preocupa com nada. Do outro lado, no verso, tristeza, solidão, saudades dos pais ausentes, além do medo e da raiva de um mundo que já mostrou várias vezes não ser justo.

 

Ouvir o que está por trás das máscaras dos colegas permite que cada um dos adolescentes perceba que não está sozinho. Estão todos no mesmo barco —ainda que estejam todos fingindo estar em um cruzeiro de férias.

 

Ao se escutarem, os meninos percebem que podem chorar uns na frente dos outros. O véu de ficção que ainda colocamos sobre  o "macho" pode se desfazer. E, assim, a pessoa escondida sob a máscara pode aparecer.

 

A cena, marcante, é um pequeno trecho do excelente documentário A máscara em que Vivemos (The Mask We Live In), que discute alguns dos efeitos da cultura machista na criação de nossos meninos. É preciso entender, afinal, por que os homens se suicidam quatro vezes mais do que as mulheres*.

 

Suicídio e doença mental, em geral, ao contrário do que às vezes se imagina, não é coisa de gente desocupada. Ao contrário, segundo dados da ONU, a maior parte dos suicídios do planeta se dá em países pobres ou subdesenvolvidos. Provavelmente, o mesmo valha para sofrimento mental. E, no meio desses preconceitos e mal-entendidos, vemos que os homens com algum transtorno mental procuram menos por ajuda especializada do que as mulheres. Enquanto mulheres estão em tratamento em quase 50% das vezes, os homens com transtornos que procuram tratamento não chegam a 34%**. Não se trata de uma competição de quem sofre mais. Pelo contrário, se trata de somar mais um triste dado sobre os efeitos do machismo. Nessa cultura machista não estamos apenas minando o potencial de nossas mulheres; estamos, também, atrapalhando o desenvolvimento de nossos meninos.

Porque ainda precisamos nos deparar com um número assustador de homens que ainda acreditam que precisam sofrer calados. Que se escondem com a sua dor,enquanto ela cresce em silêncio.

 

Parte fundamental desse sofrimento vive na crença impregnada em nossa cultura que ainda confunde o masculino com o violento. Ainda acha que chorar é coisa de menina. Que se aconchegar nos braços de um amigo é coisa de homossexual (aliás, como se isso também fosse um problema). Que as únicas coisas que importam são conquistar mulheres como se fossem objetos e dominar outros homens para mostrar a sua superioridade.

Uma cultura que serve para aumentar a violência do mundo — e eu não vejo como isso pode ser bom para qualquer uma das partes envolvidas.

Mas é isso que a nossa sociedade, infelizmente, ainda ensina diariamente para os homens desde que esses são meninos pequenos.

 

Ensina a seus garotos que qualquer resposta emocional é fraqueza e deve ser escondida atrás da máscara. Incentiva e valoriza comportamentos cada vez mais agressivos.

 

Nada poderia estar mais distante daquiloque os seres humanos, independentemente do gênero, necessitam. Precisamos de ombros para chorar e de contato físico que não seja sexual. Precisamos poder falar dos nossos medos e nossas das fragilidades. Precisamos de fraternidade e amor.

 

Precisamos amassar essas falsas máscaras másculas e as jogar em alguém. Quem sabe essa pessoa acabe vendo nosso lado de dentro. Quem sabe, assim, nós, homens, possamos reencontrar nossos pares em um abraço fraterno. E, quem sabe assim, possamos fazer nossa parte para que um mundo menos violento possa aparecer.

*referência: algumas pesquisas apontam que mais mulheres do que homens tentam o suicídio, só que o ato acaba incompleto. A dedução racional seria que mulheres tipicamente usam de métodos menos letais, e, por isso, acabam se matando com menos freqüência. Pelo outro lado, pesquisas levantam como a avaliação de comportamentos suicidas que não levam a morte é difícil de ser feito (e.g., Spicer & Miller 2000), de modo que é possível que essas estatísticas de tentativas de suicídio não reflitam a realidade. Seja como for, o que sabemos com certeza é da violência que homens cometem contra si mesmos. Sendo a segunda causa de morte mais comum entre homens dos 10 aos 34 anos de idade.

** Ver dados do Instituto Americano de Saúde Mental (INMH)

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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