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Blog do Dan Josua

Existe um agrotóxico que aumenta a chance de seu filho desenvolver autismo

Dan Josua

23/08/2018 04h00

Crédito: iStock

Agrotóxicos e chances de autismo… É o tipo de notícia para a qual eu pensaria: "lá vem o lobby anticiência com mais uma teoria da conspiração". Mas quem me chamou a atenção para ela foi uma profissional brilhante, que sabe do que fala. Alguém que, normalmente, eu imaginaria torcendo o nariz comigo.
Mas, cientista que é, essa profissional citou as fontes. Eu fui lá e li, e o estudo é sério. Basicamente, eles analisaram os resultados dos exames de sangue de mães e de seus filhos, nascidos na Finlândia entre 1987 e 2005. Nesse banco de dados gigantesco, procuraram pela relação entre as substâncias no sangue materno e o desenvolvimento de autismo nas crianças. Conhecido tecnicamente como transtorno do espectro autista, esse quadro engloba indivíduos que apresentam um desenvolvimento atípico, com dificuldades sociais, problemas na aquisição de linguagem e comunicação, entre outras características.
O que os pesquisadores da Universidade Columbia descobriu quando analisaram os dados da Finlândia foi assustador. As mães com a maior quantidade de um pesticida chamado DDT no sangue tinham 32% mais risco de gerar um filho com autismo. O agrotóxico, segundo os autores, não causa o autismo em si, condição provocada por uma série de fatores genéticos e ambientais. A verdade, é que o autismo é um quadro tão complexo que dificilmente será possível delimitar uma causa isolada. Entretanto, o estudo é o primeiro a estabelecer uma associação entre a doença e substâncias que passamos a ingerir com o desenvolvimento da indústria agrícola.
Ou seja, ninguém está dizendo que esse agrotóxico causa sozinho ou necessariamente o autismo. O que os cientistas notaram é que o DDT provavelmente aumenta os riscos de uma criança desenvolver essa doença, se a sua mãe tinha altos níveis da substância na circulação sanguínea ao longo dos primeiros meses de gestação.
Apesar de ainda não sabermos por qual mecanismo essa substância faria isso, os cientistas têm duas hipóteses. A primeira: o agrotóxico aumentaria a probabilidade de partos prematuros ou com baixo peso, que são notórios fatores de risco para o autismo. Segunda hipótese: o DDT pode se ligar a algumas proteínas no corpo, chamadas receptores andrógenos, que permitem que as células respondam à testosterona e a outros hormônios. Essa ligação do DDT com esses receptores dificultaria o desenvolvimento típico do organismo, fazendo com que o bebê exposto a níveis elevados  por meio do sangue materno corra risco de se tornar austista.
Uma boa e uma má notícia sobre isso tudo. A boa é que o Brasil, em 2009, proibiu o uso de DDT. A má é que a substância permanece na cadeia alimentar por um bom tempo; em animais, no solo e na água. Isto é, mesmo que não estejamos produzindo mais alimentos com uso direto de DDT, ainda estamos, cada vez em menor escala, consumindo a substância.
O que precisamos lembrar é que esse é apenas um estudo, outros precisariam aparecer para corroborar esses achados. Afinal, vale lembrar que nada em ciência é "comprovado", mas apenas apresenta mais ou menos evidências a favor de uma ideia. De qualquer maneira, o trabalho parece ser um lembrete de que nem sempre sabemos os efeitos que estamos produzindo no mundo quando o modificamos com toda a nossa tecnologia. E que deveríamos testar, cientificamente, essas coisas.
Obs: Esse texto foi escrito com a ajuda da brilhante Dra. Larissa Zeggio. A Larissa é uma cientista e divulgadora de ciência incrível, uma pessoa que você deveria procurar antes de sair falando de neurociências. Dá uma olhada no site (www.larissazeggio.com) e no Instagram (@neuroduvida) dela.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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