Por que a audiência gosta de ver a protagonista sofrer
Há uma estranha relação entre a empatia e a arte: a audiência precisa ver a protagonista sofrer.
Não nos apaixonamos por personagens fictícios por suas qualidades. Nós nos apaixonamos por eles justamente após testemunhar suas dores. Há algum estranho sadomasoquismo nisso. Rezamos para que nada de ruim aconteça com nossos personagens favoritos, mas, a cada porrada que eles tomam, nos aproximamos mais. Além disso, dividimos lágrimas com eles, sofrendo com o seu sofrimento, a cada golpe do destino contra o personagem mais o amamos.
É uma matemática esquisita, mas bastante lógica quando paramos para pensar. A empatia — que seria a a capacidade de ver e sentir o mundo pelos olhos de outra pessoa — é uma ferramenta fundamental para a sobrevivência de nossa espécie. Somos, individualmente, seres frágeis. Nossos bebês nascem pequenos e delicados demais, por exemplo. Mesmo adultos, nunca desenvolvemos garras poderosas ou forças descomunais. E, mesmo assim, conquistamos um mundo habitado por elefantes e leões.
Fomos capazes de fazer isso pela nossa impressionante capacidade inventiva. Mas mesmo essa criatividade só conseguiu ser útil porque o homem primitivo manteve uma estrutura social coesa. Digo, de ajudas cruzadas, onde a dor de outro ser humano poderia ser sentida pelo resto do grupo. Onde, de alguma forma, sentir essas dores alheias aumentaria a coesão entre todos. Empatia é o nome que demos para essa cola social, essencial para a sobrevivência de nossa espécie.
A arte, de alguma forma, bate justamente nessa tecla primitiva. Por isso temos reações tão guturais com filmes e livros. E até podemos nos apaixonar e nos identificar com seres que, no fundo, sabemos que não existem.
Mas a arte narrativa nos permite ir um passo além. Ela pode ser, como disse o escritor israelense Amos Oz, uma arma contra o fanatismo. Afinal, ela permite que eu me teletransporte para a mente de alguém que deveria ser meu inimigo. Permite que esse estrangeiro se torne um amigo. Que o odiado seja entendido e, desse modo, possa ser, se não amado, ao menos respeitado.
A arte permite que o instinto tribal primitivo se globalize. E, nesse mundo que tende a polarização, essa capacidade talvez se torne fundamental.
No entanto, a empatia ingênua pode se tornar uma arma sombria. Ao contrário do que se imagina, muito do extremismo do mundo não se deve a uma falta de capacidade de sentir o que outras pessoas sentem, mas a uma empatia exagerada e restrita.
Um terrorista, por exemplo, tipicamente tem um excesso de empatia com o seu grupo (que representaria os oprimidos, os defensores dos bons costumes, o seu Deus, etecétera). Ao mesmo tempo, ele apresenta uma incapacidade profunda de enxergar o lado oposto do conflito. Há um excesso de humanidade do seu lado e uma falta completa do lado de lá. Esse é o aspecto sombrio da empatia, segundo o psicólogo Fritz Breithaupt, que seria esse lado da empatia que se manteve estritamente tribal.
A arte, dessa maneira, é a oportunidade que temos de aumentar o escopo da empatia. De nos lembrar que, por mais diferentes que possamos parecer, somos todos humanos. Perdidos e preocupados. Ainda que vivendo em um mundo povoado de dragões, as regras dos seres humanos são as mesmas: apenas vivemos em uma comunidade de 7 bilhões de indivíduos.
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