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Blog do Dan Josua

3 momentos em que você deve desconfiar dos conselhos de psicólogos

Dan Josua

06/06/2019 04h00

Crédito: iStock

Sim, inclusive nos deste colunista. Mesmo quando munidos das melhores intenções, psicólogos podem ser péssimos conselheiros. Veja algumas situações para ficar desconfiado:

1. Quando parece ser uma opinião pessoal

A primeira via do mau conselho é o viés pessoal do terapeuta. Com frequência vemos discursos alheios à psicologia invadindo as falas de psicólogos prontos para dar alguma dica. Talvez o exemplo mais extremista e dramático dessa tendência seja o caso de terapeutas que defendem a chamada "cura gay". Defender essa ideia espúria, sem qualquer fundamento no debate atual da ciência, só é possível quando uma posição religiosa ou ideológica invade a fala da psicologia. 

Ou seja, psicólogos dão maus conselhos quando deixam as suas posições pessoais falarem mais alto do que o seu estudo técnico. Aqueles que defendem o tratamento da homossexualidade são apenas o exemplo mais extremo de um comportamento que, infelizmente, é até comum. Terapeutas que adicionam cura por cristais no seu atendimento são outro exemplo. Ou o psicoterapeuta que exige uma posição política do seu paciente. Uma conhecida minha deixou de ir a um terapeuta porque, segundo ela, o sujeito "parecia mais interessado em quem eu ia votar do que no meu sofrimento".

Esses exemplos são pequenas anedotas do mau conselho que psicólogos dão quando confundem os seus valores pessoais com a sua função de profissionais.

2. Quando há generalizações

A segunda via do mau conselho é o da generalização indevida. Mas, para explicar isso, preciso confessar um segredinho sobre os psicólogos que trabalham com clínica: há uma baita arrogância misturada com o orgulho de dedicar a vida a tentar ajudar pessoas em sofrimento. E, no meio disso, é fácil para o profissional que trabalha nessas condições acabar exagerando o alcance de suas observações a partir das falas dos pacientes. Desse modo, quando acreditamos que essas informações são suficientes para passarmos prescrições sociais, caímos na segunda via do mau conselho.

Pense, por exemplo, que eu atendi nesse ano alguns irmãos mais novos. Todos marcados por uma dependência excessiva dos pais –pais que, por sua vez, seriam extremamente preocupados. A minha cabeça, essa máquina tresloucada de fazer associações e procurar explicações, vai tentar construir relações causais. Eu posso começar a acreditar que "ser o caçula da família é o que deixa esses jovens mais mimados e ansiosos. Ou que pais preocupados em excesso sempre fazem com que as crianças desenvolvam esse tipo de sofrimento. 

Posso florear minhas impressões com linguajar técnico e dizer coisas como: "a posição do filho mais novo enquanto majestade do seio familiar faz com que ele recuse a realidade atuando em sintomas obsessivos como tentativa neurótica de sustentar sua fantasia de onipotência". Parece técnico e, para alguém fora da área, pode até soar convincente por isso mesmo. Mas essa explicação post hoc (após os fatos) tem pouca substância. 

Em primeiro lugar, ela tem pouca substância porque usa de casos isolados –os poucos pacientes que atendi — como representantes significativos de uma amostra muito maior da sociedade. Isto é, nas minhas interpretações, agi como se fosse possível saber como funcionaria o grupo enorme "irmãos mais novos" existente no mundo a partir de uma experiência muito limitada –a do meu consultório. 

Mais ainda, deixei de perceber que pessoas que procuram um psicólogo são um subgrupo muito específico –aquele dos que estão em sofrimento psíquico. Assim, mesmo que eu tenha atendido dezenas de filhos caçulas, é provável que eu só tenha recebido jovens em sofrimento, um recorte já enviesado do grupo maior jovens que são filhos mais novos. Em outras palavras, fiz uma generalização indevida.

3. Quando há uma relação de causa e efeito que nem sempre é real

Ao criar explicações para as minhas observações dei ainda mais um passo em direção aos maus conselhos. Peguei correlações (ainda por cima falsas) e tentei determinar causalidade a partir delas. Na vida, entretanto, nem tudo que acontece ao mesmo tempo (ou seja, que está correlacionado) tem uma relação de causa e efeito. 

Por exemplo, o número de filmes em que o ator Nicolas Cage apareceu está correlacionado com mortes por afogamento nos Estados Unidos da América. Ou seja, ao longo dos anos, quanto mais ele apareceu em filmes, mais pessoas morreram afogadas em piscinas –e isso é verdade, pesquise! Os dois eventos aconteceram ao mesmo tempo, mas, claro, a atuação do Nicolas Cage não fez as pessoas se afogarem… Isto é, correlação não é causalidade – duas coisas podem estar acontecendo ao mesmo tempo sem que uma seja a razão da outra. 

Assim, ainda que filhos ansiosos tenham mães preocupadas, isso não quer dizer que as mães necessariamente causaram a ansiedade dos filhos. Ou, até mesmo, a causalidade pode estar invertida e foi o sofrimento do filho que aumentou a preocupação da mãe. Ou, possivelmente, as duas coisas são independentes. 

Em outras palavras, é preciso atentar para além de discursos bonitos e que podem até mesmo fazer sentido e parecer convincentes. A pergunta ao ouvir qualquer conselho sempre deve ser: mas como essa pessoa chegou a essa conclusão? Até que ponto o fato de ser quem ela é estaria afetando o seu argumento? Qual a sua base de dados? 

Ou, no mínimo, ouvir tudo com uma pitada de sal. E provar com a própria experiência antes de comprar de cara qualquer sugestão.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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