Comediantes, especialistas que sabem tudo e a arte na saúde mental
A associação da depressão ao trabalho do comediante se tornou algo constante, principalmente depois que o ator Robin Williams se matou em agosto de 2014. Diziam coisas como "a capacidade de fazer os outros rirem esconde a depressão e a tristeza profunda do artista".
Diagnósticos assim foram dados com veemência e dedos em riste: "ele tinha transtorno bipolar", afirmaram. A implicação era a de que a depressão não apenas afetava o comediante, mas era o destino comum a todos os que compartilhavam da sua carreira. O preço da arte, então, seria a tristeza profunda, pareciam argumentar.
O caso de Willians é marcante porque a autópsia deixou claro o quanto é possível se precipitar em um clichê. O ator sofria de uma demência severa –a demência com corpos de Lewy. Trata-se de um tipo de deterioração neurológica que pode provocar depressões profundas e levar até mesmo ao suicídio. A morte de Robin Williams, como o exame de seu cérebro provou, não foi consequência do seu senso de humor, mas a decorrência de uma doença neurológica degenerativa.
Isso deixa clara a dificuldade de especialistas para calarem respostas que não possuem.
"Por que razão essa pessoa que você não conhece tirou a própria vida?". A única resposta possível a essa pergunta é um sincero "não sei". Porque fazer ciência (e falar dela) é a coragem de, acima de tudo, poder não saber. É o treino de admitir que entender coisas complexas é extremamente difícil. É deixar de lado as nossas intuições e se perguntar: como eu poderia saber disso?
A ciência não é o ramo de dar respostas, como frequentemente supomos. Não é o ramo de especialistas que, com seus títulos, ganharam o direito de dar respostas aos mais diversos problemas do mundo. Ao contrário, a ciência é uma maneira específica de se fazer perguntas para se conseguir respostas que, idealmente, estão cada vez mais próximas da verdade. Ciência é a maneira que desenvolvemos para fugirmos de nossas intuições e de deduções fáceis.
No caso de artistas e depressão, por exemplo, herdamos uma narrativa romântica de que o artista é o ser amargurado e melancólico. Pode até ser que isso seja verdade, mas o fundamental, em ciência, é se perguntar como esse clichê pode ser posto à prova.
Posso olhar para um grupo de comediantes e perguntar, por exemplo: são todos deprimidos? Ou posso olhar para um artista deprimido e indagar quando essa pessoa produz mais: quando ela está deprimida ou quando está bem?
Depois, é preciso pensar na maneira como obter essas informações. Será que é possível confiar apenas no auto-relato desses artistas? Como eu classifico e hierarquizo as informações que fazem parte da minha amostra? E os comentários de terceiros, até que ponto são confiáveis?
Sem um estudo sistemático dessas questões é fundamental deixar claro que qualquer afirmação sobre o assunto é apenas um palpite. Não importa a experiência de quem está dando uma opinião ou do cargo que esse indivíduo ocupa, sua fala é apenas isso: um palpite. Uma inclinação que diz mais da pessoa que está dando o parecer do que sobre o assunto em pauta.
A minha intuição sobre o tema em questão – da relação entre arte e depressão –, por acaso é contrária ao clichê do artista melancólico. A minha intuição é de que a arte é o bálsamo que ajuda a dar sentido para a vida dessas pessoas. Ela não cobra a saúde mental de quem se aproxima dela. Pelo contrário, ela oferece uma pequena balsa em um mar de turbulenta indiferença. Não, a literatura, o cinema ou a comédia não são a doença – são uma cura insuficiente para os males que vêm do nosso contato com o mundo.
A comédia e a arte, assim como o exercício físico, é um tipo mágico de remédio, capaz de melhorar a vida até mesmo de quem não tem doença nenhuma.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.