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Blog do Dan Josua

Comediantes, especialistas que sabem tudo e a arte na saúde mental

Dan Josua

20/06/2019 04h00

Crédito: iStock

A associação da depressão ao trabalho do comediante se tornou algo constante, principalmente depois que o ator Robin Williams se matou em agosto de 2014. Diziam coisas como "a capacidade de fazer os outros rirem esconde a depressão e a tristeza profunda do artista".

Diagnósticos assim foram dados com veemência e dedos em riste: "ele tinha transtorno bipolar", afirmaram. A implicação era a de que a depressão não apenas afetava o comediante, mas era o destino comum a todos os que compartilhavam da sua carreira. O preço da arte, então, seria a tristeza profunda, pareciam argumentar.

O caso de Willians é marcante porque a autópsia deixou claro o quanto é possível se precipitar em um clichê. O ator sofria de uma demência severa –a demência com corpos de Lewy. Trata-se de um tipo de deterioração neurológica que pode provocar depressões profundas e levar até mesmo ao suicídio. A morte de Robin Williams, como o exame de seu cérebro provou, não foi consequência do seu senso de humor, mas  a decorrência de uma doença neurológica degenerativa.

Isso deixa clara a dificuldade de especialistas para calarem respostas que não possuem.

"Por que razão essa pessoa que você não conhece tirou a própria vida?". A única resposta possível a essa pergunta é um sincero "não sei". Porque fazer ciência (e falar dela) é a coragem de, acima de tudo, poder não saber. É o treino de admitir que entender coisas complexas é extremamente difícil. É deixar de lado as nossas intuições e se perguntar: como eu poderia saber disso?

A ciência não é o ramo de dar respostas, como frequentemente supomos. Não é o ramo de especialistas que, com seus títulos, ganharam o direito de dar respostas aos mais diversos problemas do mundo. Ao contrário, a ciência é uma maneira específica de se fazer perguntas para se conseguir respostas que, idealmente, estão cada vez mais próximas da verdade. Ciência é a maneira que desenvolvemos para fugirmos de nossas intuições e de deduções fáceis.

No caso de artistas e depressão, por exemplo, herdamos uma narrativa romântica de que o artista é o ser amargurado e melancólico. Pode até ser que isso seja verdade, mas o fundamental, em ciência, é se perguntar como esse clichê pode ser posto à prova.

Posso olhar para um grupo de comediantes e perguntar, por exemplo: são todos deprimidos? Ou posso olhar para um artista deprimido e indagar quando essa pessoa produz mais: quando ela está deprimida ou quando está bem?

Depois, é preciso pensar na maneira como obter essas informações. Será que é possível confiar apenas no auto-relato desses artistas? Como eu classifico e hierarquizo as informações que fazem parte da minha amostra? E os comentários de terceiros, até que ponto são confiáveis?

Sem um estudo sistemático dessas questões é fundamental deixar claro que qualquer afirmação sobre o assunto é apenas um palpite. Não importa a experiência de quem está dando uma opinião ou do cargo que esse indivíduo ocupa, sua fala é apenas isso: um palpite. Uma inclinação que diz mais da pessoa que está dando o parecer do que sobre o assunto em pauta.

A minha intuição sobre o tema em questão – da relação entre arte e depressão –, por acaso é contrária ao clichê do artista melancólico. A minha intuição é de que a arte é o bálsamo que ajuda a dar sentido para a vida dessas pessoas. Ela não cobra a saúde mental de quem se aproxima dela. Pelo contrário, ela oferece uma pequena balsa em um mar de turbulenta indiferença. Não, a literatura, o cinema ou a comédia não são a doença – são uma cura insuficiente para os males que vêm do nosso contato com o mundo.

A comédia e a arte, assim como o exercício físico, é um tipo mágico de remédio, capaz de melhorar a vida até mesmo de quem não tem doença nenhuma.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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