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Como você elogia a criança é importante: saiba proceder da melhor forma

Dan Josua

12/09/2019 04h00

Crédito: iStock

Eu não sei vocês, mas a minha vontade é elogiar a minha filha como uma metralhadora de orgulho. Pode ser porque ela ainda é novinha ou porque eu sou babão mesmo, mas essa é a minha inclinação constante. Ela é, juro por Deus, linda, fofa e inteligente. E elogiar assim não pode fazer mal, pode?

Mas… Mas, segundo um importante artigo de Melissa L. Kamins e Carol S. Dweck, duas psicólogas da Universidade de Columbia, elogiar da forma errada pode, sim, atrapalhar o bem-estar a autoconfiança de uma criança. Não tem nada de mal elogiar em si (quem dera esse fosse o problema do mundo), mas, já que estamos falando disso, talvez valha a pena aprender a fazer elogios da melhor maneira possível.

De acordo com as autoras, é preciso sair do que elas chamam de elogios de resultado ou de pessoa para caminhar em direção ao que elas classificam como elogios de processo. Uma descrição simplificada da pesquisa ajuda a entender o que significa isso.

No estudo, 64 crianças de aproximadamente 5 anos de idade foram convidadas a realizar uma tarefa em que elas acabaram induzidas a serem bem-sucedidas  —e, de fato, foram. Depois, todas foram divididas em três grupos para testar diferentes formas de elogiar. No grupo 1, as crianças foram elogiadas como pessoas, ou seja, ouviriam coisas como "você é muito bom nisso". Já quem fazia parte do grupo 2,  ouviu elogios de resultado, ou seja, falas como "o que você fez foi excelente!". Por fim, as participantes do grupo 3 ouviram elogios de processos, representados por comentários como "você se esforçou muito para acertar, parabéns". 

Após a congratulação, a criança poderia escolher se tentaria fazer uma atividade na qual ela, no passado, já teria fracassado ou se tentaria simplesmente repetir a tarefa em que foi bem sucedida. A ideia é que a disponibilidade para tentar fazer algo em que falhamos antes seria uma marca importante de persistência. Após a escolha da atividade, os pesquisadores perguntavam como as crianças tentariam novamente e o que achariam de si mesmas, se por acaso não fossem capazes de completá-la com sucesso.

Os resultados da pesquisa foram contundentes. As que receberam elogios de processo (grupo 3) se mostraram mais dispostas a tentar mais uma vez uma tarefa que, para elas, parecia mais difícil. Além disso, elas também deram explicações mais suaves para as suas falhas do passado. Isto é, entenderam que errar em um exercício era apenas isso —um erro. E que, se o jeito certo de ser feito fosse aprendido, valeria a pena tentar de novo. Em outras palavras, as crianças que foram elogiadas na forma em que atuaram se mostraram mais confiantes e resilientes, quando comparadas com as dos outros grupos.

Essa pesquisa é interessante porque esclarece algo que talvez já intuíssemos. Para que persistência seja possível é preciso minimizar o preço do fracasso. Se o sucesso é devido a alguma entidade abstrata na mente —como "inteligência"—, qualquer falha, por consequência, precisará apontar para "burrice". O preço se torna alto demais. Pouca gente se sente confortável brincando nessa gangorra de brilhantismo e estupidez. 

Já se, diferentemente, o sucesso é devido ao empenho, por exemplo, há muito mais controle nas mãos do sujeito. Um erro não aponta para nenhuma falta de caráter, mas apenas convida à mesma insistência que funcionou anteriormente. Ao retirar o elogio da pessoa e do seu caráter para colocá-lo em suas ações, nós lhe damos a chance de tentar de novo. Afinal, é oferecida, dessa maneira singela, a liberdade para se ser mais do que a soma de seus erros e acertos.

Por isso, daqui para frente, eu vou morder a minha língua quando a frase "você é muito esperta" estiver saindo pela quinta vez da minha boca. Eu vou tentar olhar para o projeto de gente na minha frente e, no detalhe, valorizar o empenho que ela colocou no seu rabisco mais recente.

Para saber mais: 

Kamins, M. L., & Dweck, C. S. (1999). Person versus process praise and criticism: Implications for contingent self-worth and coping. Developmental psychology, 35(3), 835. 

http://people.uncw.edu/hungerforda/Infancy/PDF/Person%20versus%20process%20praise%20and%20criticism.pdf

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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