A história de duas pontes e do suicídio: dê tempo para a vida
Duas horas se passaram e, quando me dou conta, estou estudando algo bem desconectado do meu tema original. Dessa vez, pelo menos, eu acabei me deparando com algo excelente e importante. Assim, meio que sem querer, conheci a história das duas pontes de Washington, nos Estados Unidos — as pontes Ellington e Taft.
Apesar de estarem separadas por apenas algumas centenas de metros, as taxas de suicídios ocorridos na Ponte Ellington sempre foram muito maiores do que as de sua vizinha. Após três pessoas perderem tragicamente suas vidas em um espaço de dez dias, um movimento se iniciou para construir uma cerca de proteção na beirada ali.
As críticas a esse movimento foram as previsíveis. "Não adianta nada construir uma cerca, quem quiser se matar vai simplesmente caminhar até Taft", argumentavam.
A grade foi construída em meio a reclamações da oposição. Mas, caso salvasse apenas uma pessoa, a sua construção já teria valido a pena, na mentalidade de seus defensores. Os ferros curvados para dentro tornaram praticamente impossível alguém se jogar dali, de modo que ninguém mais perdeu sua vida se atirando da Ponte Ellington. E, surpreendentemente para os críticos (mas de forma esperada para quem estuda o tema), os suicidas não foram para a Ponte Taft. O número de pessoas que se mataram na região diminuiu e nunca mais retornaram às taxas anteriores à da criação da cerca.
Vou repetir, porque é importante: as taxas de suicídio rescindiram de forma (aparentemente) permanente após a construção da grade de proteção. Impedir alguém de pular da Ponte Ellington, por alguma razão, não levava a pessoa a fazer a caminhada de alguns metros até Taft .
Por que isso?
Ninguém sabe a resposta com certeza, mas estudiosos acreditam que existe um forte componente de impulsividade no ato suicida. Assim, se for retirada a oportunidade, se o calor do momento passar, a tentativa também desaparecerá. Muitas vezes, o melhor amigo da vida é o próprio tempo.
Com isso, temos uma dica até de por que as pessoas não se atiravam com tanta frequência da Taft. Ali, a mureta de proteção é razoavelmente alta, na altura do peito de um homem de estatura média. Aparentemente, nessa condição um pouco mais "difícil", o impulso para se matar de quem passasse por essa ponte se tornava menor. A mureta, de alguma forma, diminuía o poder do convite que a ponte fazia para aquelas cabeças que estavam sofrendo demais.
Eu gosto de pensar que o que precisamos é de algum espaço para segundas chances — independentemente do nosso tipo de sofrimento. Às vezes, é necessário apenas um pouco mais de tempo para se dar conta da permanência e da gravidade de alguns de nossos impulsos. Quinhentos metros de caminhada podem ser o bastante. Pare para pensar em sua própria experiência de vida: quantos dos xingamentos gritados no trânsito seriam proferidos se precisassem esperar o tempo de uma caminhada para sair da sua boca?
É claro que existem pessoas que vão lutar por anos com a dor de sua própria existência. Para essas, uma grade não será proteção o bastante — e, para elas, atendimento médico e psicológico serão essenciais. Mas outras tantas precisam, em primeiro lugar, apenas de tempo para uma segunda oportunidade. Tempo até mesmo para que possam procurar pela ajuda profissional de que necessitam. Muitas vezes o mais importante é, simplesmente, aguardar a tempestade passar e a esperança retornar.
Porque sempre há céu azul além da tempestade. Só precisamos dar o tempo ele aparecer.
[Pensar em suicídio é uma atitude muito séria, mas tem solução. Se você estiver passando por isso, procure por um profissional de saúde ou entre contato com o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo telefone (188) ou pelo site www.cvv.org.br].
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.