O galho em que estamos nos segurando é o do que vivemos até aqui
Havia um homem que não acreditava em Deus porque não tinha provas de sua existência. Se tivesse alguma, ele dizia com um sorriso no rosto, acreditaria. Um dia, enquanto caminhava pela montanha e sentia o vento gelado em seu rosto, começou um desmoronamento. Desesperado por já estar quase sendo engolido por aquele monte de terra, ele correu na direção oposta e se jogou em um abismo. Em um golpe de sorte, conseguiu se agarrar a uma árvore que se debruçava na beira da encosta.
As horas se passaram e os seus braços já estavam doendo demais. Sem ver saídas, ele tentou o canto dos desesperados: "Deus, se você existir, essa será a sua chance de provar". As nuvens se abriram e ele então ouviu uma voz dizendo do céu: "Você também precisa provar que acredita em mim. Solte as suas mãos, que eu lhe seguro".
Assustado, o homem começou a argumentar: "Como eu sei que você vai me salvar?". Então, ouviu mais uma vez a mesma proposta. Até que os céus se calaram enquanto ele continuou pedindo provas.
A primeira vez em que ouvi essa história foi pela boca de uma das psicólogas mais importantes da atualidade, a americana Marsha Linehan em um retiro de mindfulness para terapeutas.
Ela é uma mulher extremamente religiosa. Eu não sou.
E, como uma pessoa sem espiritualidade, fiquei revoltado ao escutar aquilo. Passei todo o período da minha meditação planejando o que falaria para ela. Eu estava convencido de que lhe mostraria que essa história não dizia nada sobre pessoas descrentes. Sentindo-me completamente armado, na tarde seguinte, expus o meu argumento.
"Esse enredo me parece desonesto", eu disse, tentando soar educado. "Ele pressupõe que, se o homem tivesse se soltado do galho, Deus de fato o teria salvo. Se o final fosse outro, se ao fim da história ele não fosse resgatado, a moral seria outra. Nesse caso, ela seria: não confie em vozes do além".
Marsha Linehan me olhou por cima dos óculos e disse: "Você não entendeu. Essa não é uma história sobre Deus. É sobre o caráter desse homem".
No final, compreendi: é uma história sobre como é mais difícil mudar de ideia do que imaginamos. E como, raramente, uma prova é suficiente para irmos contra as nossas intuições. Era, afinal, sobre um ateu que se viu frente a Deus, mas poderia muito bem ser sobre um crente que se viu frente à indiferença do universo. Não é sobre um homem específico, mas sobre a rigidez do nosso caráter. E sobre a imaterialidade das histórias que, no fundo, tomam decisões por nós.
Porque, acredite, quem toma as nossas decisões e constrói nossas opiniões não é a nossa mente, a racionalidade, a divindade ou qualquer outra entidade superior, mas o que a vida fez da gente até aqui.
E, assim, continuamos agarrados em galhos que não estão mais nos salvando de nada.
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