Psiquiatra, psicanalista ou psicólogo? Saiba quem procurar
Dan Josua
25/01/2018 04h14
crédito: iStock
Nós, profissionais ligados à saúde mental, estamos tão acostumados com esses termos que muitas vezes não percebemos que o paciente frequentemente se sente perdido no meio de tantos nomes e teorias diferentes. Abaixo, elaborei um breve guia das diferenças entre cada um desses profissionais.
Mas, antes de ler, se posso dar uma dica: se dê a possibilidade de encontrar o profissional certo para você. Vá em uma, duas ou três sessões e se pergunte: "Essa pessoa parece capaz de me entender e de me ajudar?". Se a resposta for sim, ótimo. Se pergunte a mesma coisa de tempos em tempos e siga com o seu tratamento. Se a resposta for não, se dê o direito de procurar outra pessoa.
Psiquiatra: o psiquiatra é um médico que fez residência em psiquiatria. Apesar de o psiquiatra estar habilitado a fazer terapia com o seu paciente, ele mais frequentemente é o responsável por diagnosticar um possível transtorno psiquiátrico e por cuidar de seu tratamento farmacológico. A psiquiatria é a especialidade médica melhor habilitada para prescrever a medicação adequada para cuidar de alguém com sofrimento mental.
Apesar desse nome "sofrimento mental" soar forte, ele pode variar bastante. Um psiquiatra pode ajudar com um humor deprimido, com uma ansiedade aumentada ou com casos mais graves como, por exemplo, alucinações.
O bom psiquiatra vai saber, melhor do que qualquer outro profissional, quando é a hora de cuidar desse sofrimento com medicamentos. Muitas pessoas têm resistência à ideia de que remédios podem ajudá-las a se sentirem melhor – como se eles pudessem roubar parte de sua essência, ou lhes causar vício. Os remédios psiquiátricos, entretanto, não funcionam assim. Acredite: com a medicação certa, no caso certo, a pessoa vai simplesmente sentir que é mais fácil ser ela mesma. O acompanhamento médico adequado também impede que alguém se vicie em uma medicação psiquiátrica.
Por isso, é importante que a gente saiba que psiquiatra não é médico de louco. É médico para quem está sofrendo além da conta.
Psicólogo
Esse é o profissional que se formou em uma faculdade de psicologia. Ele pode atuar em hospitais, escolas, empresas (em geral ligado ao departamento de RH) ou na clínica como psicoterapeuta.
O psicólogo clínico pode seguir diferentes abordagens teóricas – o que vai modificar a sua compreensão acerca do sofrimento humano e sua maneira de atender ao paciente. Algumas (vão faltar muitas) das correntes mais presentes no Brasil são:
Psicanálise
O psicanalista é um profissional que passou ou está passando por uma formação em psicanálise (após a faculdade).
Muito frequentemente, o psicanalista é um psicólogo – a psicanálise é disciplina obrigatória na maior parte das faculdades de psicologia do Brasil. O psicanalista, entretanto, pode ter feito qualquer outra faculdade – muitos psicanalistas são filósofos ou médicos, por exemplo.
A psicanálise teve como ponto de partida as ideias de Freud e teve seguimento em importantes discípulos como Lacan, Winnicott e Melanie Klein. A ideia comum aos psicanalistas é a de que o nosso comportamento é em parte governado por instâncias inconscientes.
Assim, é função do psicanalista permitir que o paciente tome consciência daquilo que lhe é desconhecido, mas que ainda assim determina suas escolhas e seus sentimentos. Desvendar os conteúdos inconscientes, dentro dessa perspectiva, deve trazer alívio ao sofrimento do paciente. A terapia psicanalítica, comumente chamada de análise, costuma ser um processo longo, onde o autoconhecimento vai produzindo mudanças na vida da pessoa.
O famoso divã é figurinha comum na sala do psicanalista e serve, segundo a psicanálise, para que a dupla possa olhar para a vida do paciente de uma nova perspectiva.
Fenomenologia
É uma forma de terapia influenciada pelos filósofos existencialistas, especialmente pelo alemão Martin Heidegger. A terapia é entendida como um campo aberto, onde o terapeuta encontra o paciente sem uma compreensão prévia deste, buscando se aproximar do que está acontecendo na vida dele sem apelar para teorias anteriores.
Segundo essa concepção, o homem é possibilidade de ser. Ou seja, o ser humano não pode ser entendido como uma entidade estática que pode ser definida a partir de conceitos teóricos. O ser humano está sempre enraizado em sua própria história, e perceber os modos como essa história se desenrola é libertador.
O terapeuta fenomenológico, portanto, buscará compreender o sentido da experiência singular do paciente, na sua relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo. O cuidado oferecido pelo terapeuta nessa abordagem deve ajudar o paciente a cuidar melhor de sua existência, percebendo quais são suas reais possibilidades e o movimento que orienta as suas escolhas de vida.
Terapias Cognitivas e Comportamentais
Apesar de frequentemente aparecerem sob o mesmo guarda-chuva, essas terapias têm bases teóricas bem distintas. A Psicologia Cognitiva acredita que o sofrimento humano é derivado principalmente de distorções em como interpretamos o mundo/outros, como enxergamos a nós mesmos e/ou como prevemos o futuro. Sofremos porque a maneira como processamos os eventos do nosso dia-a-dia distorce, de alguma maneira, o nosso contato com a realidade. A pessoa ansiosa, por exemplo, está sofrendo pois está interpretando o mundo a partir de um viés catastrófico que faz com que ela sinta que está em perigo constante. Ou seja, a sua forma de pensar a faz enxergar o seu futuro de maneira mais perigosa (ela pensa: "alguma coisa ruim vai acontecer"). Assim, como o problema está em como interpreto o mundo, a terapia cognitiva tradicional procura trazer novas possibilidades de pensar sobre um mesmo evento, esperando que assim o sofrimento diminua. A pessoa ansiosa, citada anteriormente, quando passa a interpretar o mundo de maneira mais realista (menos catastrófica), passa a sofrer menos.
Já a Análise do Comportamento (que embasa as terapias comportamentais) acredita que nossas ações e sentimentos são produtos das relações que estabelecemos com o ambiente em que vivemos (nossos familiares, amigos, ambiente de trabalho, escola, etc.). O ser humano modifica o seu mundo, e essas modificações, por sua vez, mudam o homem. Entender essa história de interação com o meio em que crescemos e o mundo que nos cerca hoje é o passo fundamental para entender o comportamento humano de acordo com essa abordagem. O terapeuta comportamental acredita que uma pessoa que está sofrendo, para se sentir melhor, precisará mudar a relação que estabelece com o ambiente em que vive. Para se sentir mais feliz, a pessoa precisa se aproximar de contatos humanos que a deixem feliz, por exemplo. A mudança vem quando criamos um novo mundo a nossa volta ou quando estabelecemos novas formas de nos relacionar com esse mundo. Se rodear e viver em um mundo diferente é o maior mecanismo de mudança para essa abordagem.
As terapias Comportamentais e Cognitivas estão frequentemente agrupadas porque partilham de muitas técnicas, ainda que expliquem o funcionamento dessas técnicas de maneiras distintas.
Além disso, essas duas correntes tentam se aproximar de um modo de investigação mais ligado às ciências naturais. Por isso, os profissionais frequentemente estão mais preocupados com melhoras objetivas e observáveis de seus pacientes. Ou seja, ao passar em consulta com esses profissionais, é importante que tanto o paciente quanto o terapeuta saibam descrever com alguma precisão as mudanças produzidas pela terapia no decorrer dos últimos 3 meses (por exemplo).
Em resumo
Existem muitas diferentes linhas e modos de tratamento. O importante é se dar a liberdade de encontrar o modelo e o profissional certo para você. E de, ao não encontrar, não descartar a terapia como um todo. Talvez, para você, a receita ideal seja outra. Experimente, mas não deixe de cuidar da sua saúde mental.
[Esse texto foi elaborado com a colaboração de alguns profissionais brilhantes, um de cada uma das áreas citadas. A Carina Kawamura Demange me ajudou com o texto sobre Psiquiatria. O Fransisco Garzon, com a elaboração do texto de Psicanálise. A Andreia Mutarelli, com o trecho sobre Fenomenologia. Finalmente, a Érica Panzani Duran foi essencial no comentário sobre Psicologia Cognitiva. Pela generosa ajuda, obrigado. Tenho sorte de conhecer gente competente em tantos cantos da psicologia].
Sobre o autor
Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.
Sobre o blog
É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.