Você não faz tudo errado: não dá para ser perfeito no papel de pai ou mãe
Dan Josua
22/03/2018 04h15
Crédito: iStock
Ser pai ou mãe é difícil nos dias de hoje.
Perambulamos entre um especialista e outro, cada um com uma recomendação que parece impossível de seguir. A curva de crescimento perfeita. O desenvolvimento motor perfeito. Aprender as primeiras palavras na hora certa e do jeito certo. Tudo de bom e de ruim que acontecerá na vida dos nossos filhos, parecem nos dizer, dependerá de tomarmos a atitude exata no momento exato.
Assim, os pais acabam roendo as unhas no parquinho: "será que tem algo estranho com o meu bebê? Por que ele não enche o balde de areia com a mesma destreza do Joãozinho ou da Mariazinha? O que eu fiz de errado?".
Aplicativos, livros e sites especializados trazem as respostas para cada uma de nossas angústias. No entanto, a cada nova resposta, um novo pavor: qual será a próxima prova pela qual teremos de passar como pais? Como saber se continuaremos acertando ou errando?
Diante de tanta lição, acertar parece impossível. E nos sentimos cada vez mais culpados.
Quando as questões dos nossos filhos são emocionais — como, por exemplo, a ansiedade, a situação fica pior ainda. E a psicologia, desde Freud até Barlow (um dos mais importantes pesquisadores de ansiedade da atualidade), muitas vezes confirma nossos medos [1]. Segundo esses autores, e muitos outros, os filhos aprendem a ser ansiosos em casa.
Pronto, mais uma coisa para nos sentirmos culpados.
Entretanto, um grupo de pesquisadores de três universidades americanas —Harvard, a da Virgínia Commonwealth e a da Califórnia— apontam para uma direção contrária a essa responsabilização excessiva dos pais. Eles fizeram a revisão de diversos estudos e constataram que o jeito dos pais não é uma causa particularmente importante para a ansiedade das crianças. Outros fatores, como a genética e o ambiente escolar, parecem ter uma influência muito maior.
É difícil saber de qual lado ficar. Independentemente de quem está certo, tenho certeza de uma coisa: a esmagadora maioria dos pais está fazendo o melhor que pode. E esse discurso que está o tempo inteiro procurando culpados nos afasta do que realmente importa. Ficamos tempo demais atrás de marcos de desenvolvimento infantil que nos dizem se estamos fazendo um bom trabalho. E, com isso, às vezes não nos concentramos nas perguntas que mais interessam.
Passamos noites em claro preocupados com a idade da primeira palavra, dos primeiros passos e tudo mais. Passamos muito tempo nos perguntando se os nossos filhos terão algum problema. Se eles serão ansiosos, preocupados, com amigos demais ou com amigos de menos.
No final, passamos tempo demais fazendo perguntas porque não queremos aceitar que não temos controle sobre tudo o que nossos filhos serão ou deixarão de ser. Um pedaço importante depende deles. E outro, maior ainda, do mundo.
Talvez, a pergunta mais fundamental de todas seja: o que eu de fato quero para a minha filha ou para o meu filho?
Eu, pelo menos, quando paro para pensar dessa forma, respiro mais aliviado. Não quero que a minha filha seja atleta nem Prêmio Nobel. O que realmente quero é que ela seja uma pessoa boa, que deixe o mundo um pouco melhor do que o encontrou. Quero que ela conquiste a liberdade de escolher uma vida que considere valorosa.
E, com esse pensar, posso dormir tranquilo. Mesmo se a primeira palavra dela vier com um mês de atraso. Ou se, mais tarde, ela não for tão bem na prova de Biologia. Mesmo que se suje demais para comer ou se eu, afobado, pego a colher do chão quando não tem ninguém olhando. Mesmo se está ansiosa e sofrendo.
Eu e ela estamos fazendo o melhor que podemos. E, se precisar, faremos ainda melhor.
Ah, só um lembrete: mesmo que os pais não sejam responsáveis pelo surgimento da ansiedade em seus filhos, isso não significa que não devam cuidar desse estado emocional, se por acaso ele surgir. Os pais podem ajudar seus filhos ansiosos, e muito. Especialmente quando orientados por um bom terapeuta infantil.
PARA SABER MAIS:
[1]https://pdfs.semanticscholar.org/c6b8/bd4b9c72f373cf738f27e56fb307e12ffd03.pdf
Sobre o autor
Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.
Sobre o blog
É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.