Pare de pedir para as pessoas se acalmarem: isso não funciona e só irrita
Dan Josua
05/04/2018 04h20
Crédito: iStock
"Não precisa ficar tão estressado". Nunca vi alguém ficar mais calmo ao ouvir esse conselho. Também nunca ouvi alguém responder a essa fala se acalmando e dizendo: "Nossa, tem razão! Estou me estressando à toa, vou relaxar".
Ainda assim, vivemos fazendo esse tipo de sugestão aos outros. Dizemos para a criança que ela não deveria ter medo de monstros no escuro. Para a mãe, que ela não precisa se preocupar com a filha viajando. E, para o motorista, não se irritar com o trânsito.
Nunca funciona, mas continuamos falando esse tipo de coisa
Fazemos isso porque, em alguma medida, temos razão. De um ponto de vista 100% racional, não há por que sofrer desse jeito. Afinal, não existem monstros escondidos nas sombras. O avião é um meio de transporte bastante seguro. E o trânsito não vai melhorar, não importa a força com que socarmos o volante.
O problema é que não somos seres racionais. Somos esse saco de emoções e pensamentos chamado Homo sapiens. E, para esse ser caótico, o que funciona é perceber o que há de válido em uma emoção.
O primeiro passo, portanto, não é oferecer uma solução, mas entender o que está acontecendo. É, em outras palavras, validar. Só depois de encontrarmos aquilo que precisa ser aceito é que pode ser útil procurar por possíveis soluções.
É válido ter medo do desconhecido e do escuro, mesmo que não seja possível ficar o tempo inteiro de luz acesa. Assim como é válido se preocupar com uma filha que está viajando sozinha –afinal, é ver um pedaço de nós crescendo e correndo riscos. Mas não faz sentido manter a prole para sempre debaixo das asas.
E todo mundo fica frustrado no trânsito de uma grande cidade como São Paulo, mas ficar socando e xingando só serve para assustar os outros passageiros do carro.
Antes de dizer "Se acalme", reconheça o sofrimento do outro
A questão aqui é que, para ouvir a segunda metade da nossa fala –a que vem com a solução–, é preciso, antes, que a pessoa ouça a primeira metade. Ou seja: ouvir que não precisamos socar o volante depois de escutar que faz sentido nossa irritação com o trânsito caótico é muito diferente de simplesmente escutar que não deveríamos descontar nossa irritação no carro.
Pois, acredite, quando validamos alguém com precisão, aí, sim, ajudamos essa pessoa a se acalmar. E uma pessoa calma tem muito mais chance de agir de acordo com o que acha certo. Nunca vi alguém com as emoções sob controle tentada a morder o volante do carro.
Validar o outro é uma habilidade que pode ser treinada. Para isso, são necessários 6 passos:
- Primeiro, escute. Sem preconceitos. Não assuma que você sabe o que o outro está sentindo.
- Depois, pergunte. Dar a oportunidade da pessoa se escutar contando o que aconteceu às vezes é o suficiente para que ela própria se enxergue de fora de situação. E comece a se acalmar.
- Em terceiro lugar, faça com que ela expresse em palavras o que está comunicando com o corpo e, talvez, também com o tom de voz. Uma criança chorando pode estar triste ou com medo. Uma mãe indo e voltando na cozinha sem parar provavelmente está preocupada. Colocar em palavras o que o corpo está tentando comunicar é um instrumento poderoso.
- O quarto passo envolve você mostrar como, dada as circunstâncias daquela pessoa, o sentimento dela é completamente compreensível. Imagine alguém que foi assaltado na semana anterior passando pelo mesmo beco em que uma arma foi apontada para a sua cabeça. Seu pavor faz sentindo, não faz? Então, deixe isso claro.
- O quinto passo é ir um pouco além: é reconhecer como a maior parte das pessoas se sentiria da mesma forma. Na situação que descrevi, por exemplo, substituir o "é claro que quem foi assaltado nessa rua há uma semana estará apavorado" por "em uma rua escura em uma cidade como a nossa, acho que todo mundo ficaria assustado".
- Por fim, seja sempre genuíno. Coloque-se no lugar de quem está sofrendo e responda como aquela situação estivesse acontecendo com você. A empatia mais poderosa é simplesmente mostrar que você está junto de quem está sofrendo, não importa quão fundo é o buraco.
Validar, em qualquer nível, comunica algo fundamental para quem sofre: se precisar, você terá um ombro lhe esperando. E, acredite, é muito mais fácil sofrer sabendo disso.
Sobre o autor
Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.
Sobre o blog
É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.