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Transtorno do estresse pós-traumático: a violência que não some. Como agir?

Dan Josua

12/07/2018 04h00

Meninos recebem atendimento no hospital, após serem resgatados. / Crédito: Thailand Government Spokesman Bureau via AP

Um time de futebol formado por adolescentes ficou preso por 17 dias em uma caverna na Tailândia. Eu, como muitos, passei as duas últimas semanas ligado na notícia, acompanhando tudo, enquanto mergulhadores corajosos descobriam maneiras de resgatar esses meninos e seu técnico. Hoje, escrevo este texto e já estão todos a salvo. Mas será que o terror desse grupo acabou mesmo? 

Algumas pessoas que vivem uma tragédia como essa ou que são vítimas de abuso ou, ainda, que sofrem qualquer outra violência ou acidente grave desenvolvem o chamado transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). Para elas, é como se o evento nunca ficasse definitivamente no passado. Como se o tempo tivesse sido congelado e o trauma voltasse à superfície a cada pequeno gatilho. Crises de pânico e flashbacks reatualizam o trauma criando um drama que muitas vezes parece infinito. 

Responder a um evento anormal de forma extrema é o esperado. Precisamos apenas tomar cuidado para não tornar patológico o que é normal, ou seja, alguém ter uma reação extrema dentro desse contexto. Por isso, o ideal é esperar um mês antes de se diagnosticar que um indivíduo está com TEPT. 

Além de não transformar em patológica a reação esperada, é importante evitar  um excesso de psicologia. O que diversas pesquisas mostram é que, logo após a vivência do trauma, ficar conversando sobre o acontecido piora o prognóstico do paciente. Ou seja, aquelas pessoas que passaram por uma entrevista em que precisaram detalhar o que lhes aconteceu tiveram maior risco de desenvolver TEPT do que aquelas que ficaram em seu canto e tentaram esquecer. 

Curiosamente, as pesquisas também apontam que pessoas com um estilo cognitivo evitativo —que tentam não pensar muito no assunto— igualmente têm menor risco de desenvolver o transtorno.

Por fim, é importante não medicar demais. De acordo com diversos estudos, o uso de calmantes, especialmente  benzodiazepínicos, atrapalham o processo natural de formação das memórias e isso eleva a ameaça de a pessoa continuar viver como se o trauma ainda estivesse presente. Isto é, o uso de calmantes está associado a uma piora do quadro.

Assim, para aqueles que ficaram presos  em uma caverna – e para todos nós, vítimas de um país com tanta violência – , a dica é ir para a sua casa. Por pelo menos um mês, respostas extremas e pesadelos são esperados. Mas o silêncio e o esforço de lidar com tudo isso sem entrar em detalhes são, enquanto não encontramos as medicações para tratar da consolidação da memória, as melhores estratégias. O melhor que a psicologia, em momentos assim, tem a oferecer é simplesmente não fazer mal.

Do mesmo modo,  no papel espectadores de uma tragédia, aceitar o silêncio das vitimas é o melhor que podemos fazer. Desligar a tevê reverberando o ocorrido ou fatos parecidos e tirar os olhos das notícias talvez seja a nossa maneira de ajudar, enquanto torcemos para que a tragédia seja esquecida.

Caso esse auxílio não seja o suficiente e se, passado um mês, tudo pareça estagnado,  é importante saber que o TEPT tem tratamento. Mas isso, no entanto, é tema para outro post…

PARA SABER MAIS:

Zohar, J., Juven-Wetzler, A., Sonnino, R., Cwikel-Hamzany, S., Balaban, E., & Cohen, H. (2011). New insights into secondary prevention in post-traumatic stress disorder. Dialogues in clinical neuroscience13(3), 301. [no link abaixo]

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3182005/

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Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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