A essa altura você já está sentindo o mesmo que o resto do Brasil. O lado de lá do espectro político está surdo (seja o lado de lá mais à esquerda ou à direita). Ele se mostra incapaz de ouvir às dezenas de argumentos que você cuidadosamente reuniu no seu Whatsapp ou no Facebook. Desesperado, você puxa os próprios cabelos enquanto se engaja em mais uma batalha infrutífera. No final, não convence ninguém e acaba rompendo com mais familiares e amigos do que gostaria.
Infelizmente, os atores mais desonestos desse jogo estão certos: o convencimento político não é feito pela razão, mas pela emoção. E, pior ainda, a nossa tendência, quando confrontados, é firmar cada vez mais o pé em nossas convicções. Como se custasse demais mudar de ideia — e pode custar mesmo.
Mas talvez seja mais do que isso.
Um estudo publicado em 2014 no Journal of Personality and Social Psychology mostra que o buraco pode ser mais embaixo. Em um dos experimentos descritos no artigo, um grupo de eleitores, quando confrontado com fatos capazes de fragilizar sua visão política, passou a defender sua posição de tal maneira que ficou impossível qualquer tipo de falseabilidade.
Calma, vou tentar explicar.
A ideia de falseabilidade foi apresentada na filosofia da ciência por um cara chamado Karl Popper. Segundo ele, para um postulado ser considerado científico, ele precisa ser apresentado de uma maneira que possa ser refutado. Ou seja, para que uma afirmação seja científica, é fundamental existir a possibilidade de provar que ela não é verdadeira.
Parece estranho, mas vou dar um exemplo. Podemos dizer que a aceleração da gravidade na Terra é de aproximadamente 9,8m/s2. No entanto, basta alguém medir o tempo que um objeto, no vácuo, leva para cair no solo para encontrar um resultado diferente de 9,8m/s2. Isto é, dizer que essa é a aceleração da gravidade e que ela pode ser demonstrada ou negada é que faz com que essa afirmação ("a aceleração é de 9,8m/s2") seja científica. A falseabilidade é fundamental, portanto, para garantir que o conhecimento possa ser revisto.
No sentido contrário, afirmar que a alma, invisível e impossível de ser observada, guia nossas ações, não é um postulado científico. Afinal, não dá para negar algo que não podemos ver se controla mesmo ou se não controla o nosso comportamento.
Voltando à tal experiência com eleitores, os cientistas observaram que, ao discutir política, as pessoas deixam de lado sua carapuça de cientistas e, quanto mais confrontadas, mais tendem a colocar seus argumentos de uma forma para não poderem ser falseados. Em outras palavras, em política, rapidamente abandonamos o pensamento científico e adotamos o pensamento religioso.
Veja bem, não há nada de errado com o pensamento religioso. Ele ajuda a dar sentido para a vida de muita gente. O ponto é que esse tipo de pensamento não costuma estar aberto a mudanças de opinião. A discussão entre qual é o verdadeiro Deus — o dos judeus, o dos cristãos ou o dos muçulmanos — vai, fatalmente e a cada instância, terminar empatada. Cada um tendo certeza de que o seu Deus é o verdadeiro.
No fundo, os pesquisadores descreveram o que a maior parte dos brasileiros que ainda tentam debater política está sentindo. No lugar de argumentos, certezas como: "ele é o único capaz de salvar o Brasil" ou "é o único candidato de caráter". Postulados não falseáveis que terminam com qualquer possibilidade de diálogo legítimo.
No meio de tudo isso, o debate se perde. Porque não se trata mais de um debate, mas de paixão como aquela por um time de futebol ou por uma religião.
O que eu acho mais curioso é que uma pesquisa conduzida pelo psicólogo Dan Ariely mostrou que, se deixamos de lado essa postura de time de futebol, se tiramos partidos políticos ou candidatos polêmicos da jogada, vamos ver que concordamos muito mais do que imaginamos. Em uma de suas pesquisas, Ariely perguntou para diferentes pessoas, de todo o espectro político e racial dos Estados Unidos da América (EUA), como eles achavam que era a distribuição de renda do seu país e como ela deveria ser. O que ele descobriu, fazendo essa pergunta desse jeito é que a maior parte das pessoas, independente de seu partido: (1) subestimam muito a concentração de renda no país; e (2) sugerem que essa distribuição deveria ser muito mais igualitária.
Tenho a impressão de que, se permitíssemos que os brasileiros respondessem desse jeito, para além do pavor que essa eleição está impondo (a ambos os lados), encontraríamos algo parecido com a pesquisa de Ariely. Queremos a mesma coisa: um país melhor.
Mas no meio desse querer nos perdemos em argumentos sem possibilidade de refutação. O diálogo desfaleceu e a discórdia tomou conta.