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Ansiedade e os problemas em tentar antecipar o que vai acontecer

Dan Josua

25/10/2018 04h00

Crédito: iStock

Seres humanos pensam. Junto com a nossa capacidade de falar, a de pensar é a característica que mais nos deu vantagens no jogo da seleção natural –pensar e falar são duas faces da mesma moeda. Nós nos tornamos grandes resolvedores de problemas graças a essa capacidade.

Podemos, por exemplo, diante de palavras na tela de um computador, descobrir como se faz para tirar um parafuso de uma tábua de madeira usando apenas um isqueiro e uma caneta esferográfica. Notem bem: podemos fazer isso na ausência de qualquer um desses objetos, apenas brincando com eles na nossa imaginação (basta derreter o plástico da caneta sobre do parafuso, esperar secar e rodá-lo).

Essa capacidade é, do ponto de vista da natureza, incrível. A quantidade de problemas que podemos resolver antes mesmo que aconteçam fez com que os seres humanos sobrevivessem nas condições mais adversas. Pensando na falta de água no deserto ou no excesso de frio próximo ao Ártico, antecipamos as dificuldades e nos preparamos a contento. Nossa capacidade de falar e pensar nos permite viajar no tempo.

Muitas vezes, porém, acabamos soltos no tempo, oscilando entre um passado do arrependimento e um futuro sofrido. E perdendo, assim, o momento presente com tudo o que ele tem a oferecer. Como não poderia deixar de ser, nossa principal arma às vezes acaba cortando da nossa própria carne.

O ansioso, por exemplo e tipicamente, é o ser preso nesse futuro que talvez nunca vá se concretizar, mas que se impõe a cada minuto. Aos poucos, o que era uma vantagem –prever situações e como se virar para enfrentá-las — torna-se o seu mais pesado fardo. De passo em passo, quem tem ansiedade perde tudo o que há de bom no dia de hoje para viver, em sua mente, milhares de cenários catastróficos adiante.

É uma prisão difícil de escapar. 

Afinal, por mais improvável que seja a cena de sua imaginação, a pessoa preocupada sabe que está certa: de fato existe o risco de o pior acontecer. O avião pode, de fato, cair. O diagnóstico de câncer pode estar à espera na esquina. Os milhares de testes de saúde são muros frágeis frente à possibilidade, ainda que remota, de tudo se acabar de repente. O ansioso patológico é aquele que segue sua vida sem conseguir se afastar dos pensamentos que indicam essa possibilidade.

Por isso, pouco ajuda contra-argumentar. O ansioso sabe das estatísticas melhor do que qualquer um. Não, a solução não está no fim de uma discussão. A própria discussão é o problema.

Daí que os tratamentos para ansiosos têm se direcionado a lembrar essas pessoas que a questão não é o resultado do jogo, mas o que a gente está perdendo enquanto joga. Sim, podemos morrer a qualquer minuto. O avião pode cair e o câncer crescer silencioso. Pode ser. E, se acontecer, estaremos mortos. Para sempre; e é difícil aceitar isso. Mas a morte é uma consequência necessária da vida. A questão é se é possível viver o hoje. Sair desse jogo mental de previsão e controle. Não precisar adivinhar se o avião vai cair. Porque se abrimos mão desse controle, podemos, finalmente, apreciar a vista da janela.

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Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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