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Dá para fazer as pazes com as segundas-feiras?

Dan Josua

29/11/2018 04h00

Crédito: iStock

A música do Fantástico dá o compasso do aperto na barriga. Nada contra o programa global das noites de domingo, mas faz tanto tempo que ele prevê, sem falta, a chegada de mais uma segunda-feira… É impossível que uma coisa não seja associada à outra. A música de abertura soa como um alarme triste: a semana vai recomeçar.

É óbvio que o problema não está no Fantástico –ele está na coitada da segunda-feira. Ou, melhor dizendo, na relação que às vezes estabelecemos com ela. Se eu não tivesse vergonha de piada ruim, falaria que é muita ingratidão reclamar da segunda-feira –afinal, já tiraram a primeira-feira e a gente continua insatisfeito. Ainda bem que eu não tenho coragem de publicar isso…

Mas, retomando com classe o texto depois desse desvio infrutífero para o humor, é importante refletir por que detestamos tanto retornar à nossa rotina. Para alguns, essa retomada talvez seja ruim apenas em contraste com dias mágicos do fim-de-semana. Não é essa, contudo, a regra. Acredito que a maior parte das pessoas que sofrem ao anoitecer do domingo padecem de detestar suas rotinas.

E, sinceramente, tem algo estranho em uma cultura que tão abertamente odeia a segunda-feira. Afinal, ela marca o reinício da maneira como passamos a maior parte do nosso tempo acordado: estudando ou trabalhando, de segunda à sexta (no mínimo). É muito triste constatar que esse sinal de que o maior período de nossas vidas está recomeçando, pensando nos ciclos semanais, possa nos trazer tamanha angústia. 

É impossível mudar boa parte do que nos faz sofrer. O chefe horroroso estará nos esperando a cada nova semana, sagradamente. E a maior parte de nós precisa trabalhar –temos contas a pagar, crianças para educar, comida para colocar na mesa. Não podemos, para o bem ou para o mal, simplesmente decidir parar. Tirar um ano sabático é um desses luxos de uma minoria que talvez mal exista. 

Assim, a pergunta talvez seja: o que podemos, de fato, fazer? A minha primeira resposta é altamente decepcionante: não sei. Infelizmente, não acredito que esse problema tenha uma ótima solução.

A segunda coisa que se pode fazer talvez seja impraticável para a maior parte das pessoas: vá procurar algo que o apaixone. Diz o ditado que, se você ganhar seu sustento com alguma coisa que ama, você não precisará trabalhar nenhum dia da sua vida. Infelizmente, esse sonho talvez não seja viável para a maior parte das pessoas. Ou, para que fosse viável para todos, seriam necessárias tantas mudanças sociais que fica até difícil imaginar por onde começar. 

Do ponto de vista do indivíduo, de qualquer maneira, vale indagar: eu sei qual seria o meu trabalho dos sonhos? Ele é factível, do ponto de vista prático, isto é, é possível fazer uma carreira disso? Eu tenho habilidade para ser bem-sucedido nisso? Para os sortudos que podem responder positivamente a todas essas perguntas: coragem. É difícil dar esse passo, é preciso mais bravura do que muitos imaginam. Mas o lado de lá parece valer a pena.  

Por fim, uma terceira resposta pode ser pensada. Ela não é tão poderosa, mas ela é mais exequível. O que podemos fazer é aliviar um pouco a barra da segunda –e, logo, a da semana como um todo. Tirar das segundas o atributo de dia universal para iniciar dietas, por exemplo, pode ser um bom começo. Em vez disso, marcar compromissos com as pequenas coisas que nos empolgam já na segunda, garantindo que esses agrados se estendam pela semana, seria uma ótima estratégia. O futebol com os amigos ou amigas, quem sabe. O passeio mais alongado com o cachorro. O jantar romântico com seu parceiro ou parceira. Seja o que for que permita pequenos prazeres em nosso dia-a-dia. 

A maior parte dos seres humano, hoje, não tem poder o suficiente para retirar as partes mais aversivas de suas rotinas. Se esse é o seu caso, possivelmente uma boa solução seja aceitar uma vida com dores –e,  depois de ter investido em uma aceitação profunda, fazer com que as coisas boas equilibrem as ruins. 

Precisamos parar de culpar a música do Fantástico. Está mais do que na hora de fazermos as pazes com a segunda-feira (e com o resto da semana).

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Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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