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Boechat deu o exemplo quando falou sobre depressão. Precisamos ir adiante

Dan Josua

14/02/2019 04h00

Foto: Eduardo Knapp/Folhapress, ESPECIAIS

Um dos episódios marcantes da carreira de Ricardo Boechat foi a coragem e clareza com que ele dividiu com o seu público sobre sua "crise depressiva aguda". Ele poderia ter se escondido, dito que tinha ido para uma viagem ou arranjado qualquer outra desculpa. Mas fez questão de ser transparente e garantir que esse tema tão importante viesse a tona. E é um tema fundamental. Depressão é a doença que mais cresce no mundo, e uma que mais tira as pessoas de sua vida produtiva.

Falar de seu sofrimento de forma aberta foi um primeiro passo fantástico.

Está mais do que na hora que a gente dê os próximos.

Em primeiro lugar, dar nomes aos bois. Da mesma maneira que quando temos um problema no coração vamos ao cardiologista, quanto sofremos na mente vamos ao psiquiatra. Usar esse nome, psiquiatra, no lugar do genérico médico é fundamental. Um dos estigmas fundamentais a serem quebrados é o do lugar fundamental desse especialista nos cuidados em saúde mental. Afinal, psiquiatras não são médicos de louco – mas de quem está sofrendo.

Depois, e é legal que Boechat tenha iniciado essa conversa, é importante ligar o sofrimento mental atual ao que estamos vivendo. O surto dele, em suas palavras, ocorreu em decorrência de apertar em excesso a corda do trabalho. Dito isso, é fundamental lembrar quem é o profissional treinado para ajudar o paciente a desembaralhar os nós desse sofrimento. Mais do que ler livros sobre o assunto, é importante procurar a ajuda de um psicólogo. Esse é o profissional munido das ferramentas adequadas para ajudar a pessoa em sofrimento mental a sair do buraco em que se encontra.

Por fim, é necessário manter o zelo e tomar cuidado com as palavras que usamos para falar de saúde mental. Recentemente, por exemplo, a mídia tem usado o termo "eletrochoque" para falar de um tratamento, a eletroconvulsoterapia (ECT), particularmente eficaz para casos refratários a medicação ou terapia. Sim, esse tratamento envolve o uso de eletrochoque – da mesma maneira que um desfibrilador (usado para ressuscitação cardíaca) usa. Mas no caso do desfibrilador, nunca vi a palavra eletrochoque sendo usada. Essa palavra tem um peso – está associada à tortura e ao regime militar. O ECT, como é feito hoje, não tem esse peso. É um tratamento humano, feito com o paciente anestesiado, que precisa ser respeitado – tendo em vista a sua importância terapêutica. Para se ter uma ideia, ele é mais segura para mulheres grávidas (e seus bebês) do que boa parte dos remédios psiquiátricos.

No final das contas, precisamos tirar o chapéu para a honestidade com que Boechat lidou com o seu sofrimento. Mas precisamos ir além. É preciso chamar psiquiatras e psicólogos pelo nome. É preciso respeito com a literatura médica – com o que ajuda pacientes a sair do sofrimento. Apenas quando aderirmos a esses preceitos simples o preconceito com doenças mentais vai começar a diminuir no Brasil.

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Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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