Fazer atividade física é um tratamento para depressão?
Dan Josua
28/02/2019 04h00
Crédito: iStock
As primeiras vezes em que os seus braços batem na água, eles produzem um som oco. O ritmo de sua evolução pela piscina é irregular e cansado. "Quando chegar do outro lado, eu paro", é o que se diz a cada braçada. Mas, na outra borda, quase que automaticamente, ele se empurra para o meio da piscina com os pés. Aos poucos, vai sentindo seus pensamentos mais distantes. Seus músculos começam a arder de leve com o esforço. Uma dor estranhamente prazerosa porque ele se lembra que está vivo e que, nesse momento, seu propósito é simples: completar os próximos metros.
Enquanto se seca na beira da piscina –os músculos do peito parecendo alargados depois do esforço — a imagem do cara que não queria entrar na água parece desfeita. Ele se lembra da falta de energia, da certeza de que aquilo era uma má ideia e de que o cansaço que sentia não poderia melhorar com uma atividade tão simples quanto uma nadada. Essas memórias têm a distância característica de quem está se sentindo diferente. De repente, seguir com o seu dia não é mais tão difícil.
As linhas acima contam um final feliz para a história comum de muitos pacientes com depressão de leve a moderada. Essas depressões, que normalmente não chegam a proporções cinematográficas, trazem consigo a dor de um cansaço repetitivo. Essas pessoas em geral se mantêm suficientemente funcionais, tocando suas rotinas, mas vivem se sentindo desanimadas. A comida, as músicas, os filmes tudo parece perder cada vez mais o seu sabor. E, nessa marcha, acabam se afastando de todas as pequenas atividades que dão sal à vida.
O tal final feliz frequentemente acontece quando essas pessoas quebram a barreira inicial da inércia e retomam ou até mesmo começam a prática de um exercício. Da mesma maneira como ninguém duvida que a prática regular de atividade física é fundamental para a saúde do corpo, uma série de pesquisas mostram que o mesmo vale para a saúde mental. Assim como se exercitar pode ser fundamental para controlar um colesterol alto, esse hábito é, em si mesmo, um tratamento para a depressão.
Sim, é isso mesmo: a atividade física regular pode ser considerada um tratamento para a depressão em suas faces mais leves ou moderadas. Pesquisas na área já demonstraram que o exercício fortalece nossa resiliência bioquímica para o estresse, aumenta a quantidade de novas células no cérebro e até pode contrabalancear os efeitos de alguns grupos de genes que aumentariam a probabilidade do desenvolvimento da depressão.
Sem contar que a depressão frequentemente é uma sensação de fracasso em relação às pressões da vida e o exercício, ao lado do cansaço físico que provoca, nos ensina a tolerar melhor a frustração. Ou, mais ainda, nos ensina a tolerar a sensação de incapacidade e, então, seguir em frente. Esse parece um treino fundamental para alguém com depressão.
Sabemos que a atividade física também altera a bioquímica do nosso cérebro. Alguns estudos com ratos, por exemplo, mostram que os antidepressivos alteram mais a química do nosso cérebro quando associados a exercícios. Ou seja, o ratinho que ao mesmo tempo se exercitava e tomava remédio era mais beneficiado pela medicação do que aquele que ficava paradão, no bem-bom.
Outras dezenas de vantagens podem acompanhar a prática esportiva. Acabamos nos divertindo, por exemplo — pense em alguém que aprende um novo esporte. Ou nos colocamos em situações que nos aproximam de contatos sociais valorosos, como acontece com alguém aprendendo a dançar.
Por fim, acredito que a piscina (ou a pista ou o que for) exige a nossa presença. Quando estamos correndo, não podemos nos perder no nosso pensamento. Sempre que nos distanciamos em excesso, somos convocados com um engasgo de ar a voltar nossa atenção ao momento presente. Para correr, é preciso estar apenas correndo. E mais nada.
Essa sensação de propósito –uma finalidade simples e alcançável a cada passo — talvez seja a contribuição derradeira da atividade física à nossa saúde mental. Enquanto corremos ou praticamos qualquer outra modalidade, simplesmente vivemos, sem outros adendos. Essa simplicidade é de uma libertação surpreendente.
Sobre o autor
Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.
Sobre o blog
É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.