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Dez distorções cognitivas que nos prendem ao sofrimento

Dan Josua

16/05/2019 04h00

Crédito: Istock

Ao longo da história da humanidade, diversos autores importantes tentaram nos alertar para a maneira como os nossos pensamentos alteram a nossa realidade. O personagem de Shakespeare Hamlet, por exemplo, disse que não há nada bom ou mal, mas que o pensar assim os faz. Já o imperador romano Marco Aurélio teria afirmado que "a nossa vida é aquilo que os nossos pensamentos fizerem dela".

Os psicólogos cognitivistas levaram essas ideias um passo adiante e categorizaram como determinados padrões de pensamento podem estar por trás de diferentes psicopatologias. O pessimismo seria um padrão do deprimido, assim como a catastrofização, do ansioso.

Ao catalogar essas  diversas distorções cognitivas, esses psicólogos acabaram construindo um mapa importante do nosso sofrimento. Um mapa que mostra quais as maneiras com que nossa mente nos afasta de nossa vida. E como, amarrados nesses tipos de pensamento, acabamos nos sentindo presos. Sofrendo.

A seguir, uma lista de distorções cognitivas :

  1. Pensamento na linha do tudo-ou-nada, preto-ou-branco: Se você não é perfeito, é porque é um completo perdedor. A vida é feita de oitos e oitentas. Perdedores e vencedores. Tudo é separado por uma perfeita dicotomia que traça o limite entre o bem do mal. E, presos nesse viés, acabamos afundando na lama de uma competição infinita. Outra desse tipo: "se estou  tendo um bom dia, "então não preciso mais de terapia". Agora… "se estou tendo um mal dia, eu nunca vou melhorar".
  2. Catastrofização (um erro de previsão): é quando prevemos o futuro de maneira negativa, sem levar em conta outros cenários, mais prováveis. É o caso da pessoa que tem tanto medo de avião que, dentro dele, observa cada pequeno barulho como uma evidência de que a aeronave está prestes a cair. Ou, em outro contexto para servir de exemplo, é a sensação de que, caso eu confesse meu erro, serei odiado para todo o sempre.
  3. Leitura de mente: quando acreditamos, de maneira exagerada, que sabemos o que uma pessoa está pensando, mesmo sem checar com ela. "Esse professor me detesta", frase típica desse tipo de distorção.
  4. Super-generalização: quando chegamos a uma conclusão negativa e arrasadora que extraopola os eventos atuais de forma desproporcional. "Como me senti mal no primeiro dia de aula, eu nunca vou me adaptar a essa escola", seria a frase para ilustrar o caso aqui.
  5. Filtro mental: quando aplicamos um filtro mentalmente que seleciona apenas as coisas negativas, ignorando todos os eventos positivos. "Eu tive um feedback ruim em uma área do meu trabalho, então todo o meu trabalho deve estar uma porcaria", o sujeito pensa, ainda que eu tenha sido elogiado em outras áreas.
  6. Desqualificação do positivo: as suas qualidades e os seus sucessos foram obra do acaso, nesse jeito de pensar. Também vale o "eu não sou importante". Ou ainda: "Eu fui bem na prova só porque eu dei sorte" ou "eu fui bem na prova porque o professor facilitou".
  7. Argumentação emocional: quando passamos a usar nossas emoções como critério de verdade. "Eu me sinto burro, então eu devo ser burro mesmo" ou "eu estou com medo, então esse bairro é perigoso pra valer". Em outras palavras, quando argumentamos dessa forma, perdemos de vista que o avião não tem mais risco de cair só porque temos medo que isso aconteça.
  8. Afirmações na linha "deveria": quando ficamos excessivamente engessados em como o mundo deveria ser. "Ela deveria saber o que eu quero", por exemplo, é uma maneira típica de como esse viés serve para afastar casais de possíveis resoluções para os seus problemas.
  9. Rotular: quando a super-generalização é ligada no 220V. Ou seja, quando usamos linguagem extrema e maniqueísta para descrever o mundo. "Eu sou um completo perdedor". Se estamos mergulhados nessa maneira de pensar, o mundo (ou nós mesmos) passa a ser reconhecido apenas a partir desses rótulos artificiais. Se notar, usamos dessa distorção cognitiva em excesso nos debates políticos. "Ele é de esquerda, então é um tolo idealista" ou "ele é de direita, então não se importa com o sofrimento dos outros".
  10. Personalização: quando nos vemos como causa de todas as coisas com que não temos nenhuma relação. "Meus pais se divorciaram porque eu não me comportei" é um exemplo clássico. Em brigas de casais: "Ele só pode estar bravo comigo", quando o parceiro acabou de chegar em casa de um dia difícil no trabalho.

Esse conjunto de dez distorções pode ser muito útil como um checklist. Pergunte-se: será que estou usando algum desses modos de pensar para determinar minha opinião sobre o mundo? Qual? Há alguma maneira mais justa de avaliar essa situação? Se faço isso, o que eu ganho em liberdade? O que acontece com as minhas relações sociais se eu substituo a minha tendência de conversar com rótulos?

Afinal, há muito mais no mundo do que esses pensamentos automáticos nos permitem perceber.

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Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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