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Como vencer um debate: está na hora de sair da raiva e encarar o medo

Dan Josua

11/06/2020 04h00

 

Gostamos de acreditar que nossas ideias nascem do centro de nossa racionalidade. Por exemplo, acreditamos que temos determinada visão política e social por conta de fatos que teríamos estudado minuciosamente. Ã-ham… Então, tá.

A verdade é que o nosso cérebro é uma máquina preditiva que procura no mundo referências daquilo em que já acreditamos. Nossas opiniões não estão pautadas em nossa razão, mas em nossos medos. E uma série de estudos sobre posicionamento político demonstram exatamente isso.

Em um deles, os cientistas verificaram que pessoas conservadoras se tornavam ainda mais conservadoras, mesmo que temporariamente, diante de uma ameaça física. Em outro, notaram que crianças de 4 anos que respondiam a ameaças de forma mais intensa tinham maior probabilidade de se tornarem adultos socialmente conservadores cerca de duas décadas — duas décadas! — depois.

Até mesmo a fisiologia cerebral parece espelhar esses fenômenos. A amigdala, estrutura no meio da massa cinzenta que é considerada a sede cerebral do medo, é maior em pessoas com essa visão política e social mais conservadora do que naquelas que se dizem mais liberais.

Um estudo, de pesquisadores da Universidade Yale nos Estados Unidos, publicado em 2018, chamou a atenção porque, no resultado, mostrava como era possível mudar a posição de cidadãos ligados ao partido conservador americano, o dos republicanos, em temas sociais como racismo e feminismo.

O que os cientistas de Yale fizeram: no lugar de prover uma série de dados explicando as mazelas do racismo na comunidade negra americana, eles propuseram um pequeno experimento mental. Metade dos participantes passou por um elaborado exercício de mentalização em que precisou se imaginar como dona de uma espécie de superpoder da invulnerabilidade —nem balas de revólver, nem vírus, nada seria capaz de lhe ferir ou prejudicar. A outra metade fez um exercício semelhante em que se imaginou ganhando a habilidade de voar.

Desse modo, observou-se a seguinte tendência: os conservadores, quando se sentiam seguros como se tivessem uma pele de aço, avaliavam assuntos sociais de forma mais liberal, enquanto aqueles que simplesmente se imaginaram com poder de voar permaneciam com as opiniões de sempre. Suas respostas não eram elaboradas a partir de políticas de falta de empatia, mas pelo medo de algo ameaçar sua segurança.

Ao meu ver, em um mundo marcado pela falta de diálogo, esses resultados são importantes. Eles nos lembram que um debate não é vencido por quem tem o melhor argumento, mas por quem consegue colocar as pessoas em um lugar onde elas podem escutar. Onde, em outras palavras, não se sintam ameaçadas.

É exatamente o mesmo fenômeno que encontramos na prática clínica. Por trás de toda raiva descontrolada, de toda visão de mundo rígida, existe medo ou tristeza. Na minha vivência, com um paciente em psicoterapia é uma enorme perda de tempo ficar falando de sua raiva. Aumentamos a liberdade quando topamos encarar os sentimentos difíceis que a alimentam.

Talvez o mesmo valha para as feridas sociais de que precisamos cuidar.

Assim, está mais do que na hora de a elite brasileira perceber que, no fundo, a sua pele já é de aço. Se você tem a pela da cor da minha, o condomínio murado e cheio de câmeras e, ainda com tudo isso, se sente desprotegido e com raiva, é bom lembrar que comparativamente a sua pele é, sim, invulnerável. Se seus incômodos na quarentena passam por precisar cozinhar e lavar panela todos os dias, vale recordar que isso é estar completamente seguro.

Ao reconhecer nossa segurança, está na hora de ficarmos de joelhos para exigir peles indestrutíveis assim para todos à nossa volta. É hora de reconhecer que o ódio na fala da mãe do menino Miguel, para dar um exemplo, está cobrindo a maior tristeza do mundo.

Ainda está em tempo de a gente ficar de joelhos, reconhecer privilégios e se deixar chorar pela dor dos outros. Quem sabe aí o país se levanta para cuidar de suas feridas.

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Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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