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No século 13, a prática médica usual para o tratamento de transtornos mentais era ter uma broca perfurando o cérebro do paciente. Acreditava-se que a técnica libertava demônios que se alojavam no crânio.
Foi apenas no século 19 que a ideia de que os quadros se tratavam de deficiências biológicas relacionadas ao sistema nervoso começou a ganhar tração. Mesmo no século 20 — e ainda hoje, em várias instituições pouco humanas —, tratamentos como duchas de água gelada e eletrochoques sem anestesia continuaram práticas comuns.
É fácil olhar para trás e torcer o nariz. Encarar o passado e perceber a sua barbaridade é até que gostoso — dá uma sensação de orgulho ver o quanto caminhamos. Até o momento em que se percebe que, no futuro, irão olhar para o que fazemos agora e virar a cara com o mesmo desprezo que dedicamos aos tratamentos médicos do século 13.
E talvez valha a pena perguntar: o que será que a pessoa do futuro vai pensar de nosso modelo de saúde mental atual?
É provável que nosso sistema, pautado em listas de sintomas e sem nenhum tipo de exame que dê suporte para o diagnóstico, seja visto com escárnio. As medicações que usamos, ainda que sejam infinitamente superiores aos tratamentos disponíveis antes, provavelmente parecerão grosseiras e imprecisas.
O mesmo, quem sabe, irá valer para a psicoterapia. Não sei dizer se o que fazemos, como terapeutas, será ridicularizado no futuro — por razões óbvias, é difícil enxergar os nossos próprios pontos cegos. Se soubéssemos onde estão as falhas, poderíamos imediatamente corrigi-las.
Consigo imaginar, no entanto, que a nossa ênfase exagerada na doença poderá ser vista com maus olhos. Uma melhor saúde mental não deveria ser objetivo exclusivo das pessoas, que são cerca de 20% da população, que sofrem de um transtorno psiquiátrico. Ao contrário, deveria ser matéria obrigatória. Para todos.
Pense na sua saúde física. Quem, hoje em dia, ainda pensa em cuidar do próprio coração apenas quando ele adoece? "Vou comer toda a pizza do mundo e aí depois eu pago um médico bem caro para resolver a angina". Ninguém iria considerar essa estratégia como sábia.
Ao contrário, a recomendação universal é levar uma vida saudável — com uma alimentação balanceada e exercícios físicos — para garantir o bem-estar do corpo. Aí, cabe a pergunta: por que será que essa lógica ainda parece tão distante para os cuidados com a cabeça?
Todos nós passamos por animadas aulas de educação física na escola, mas nunca nos explicaram o que eram sentimentos e como eu e você poderíamos lidar com eles, por exemplo. Ou, quando tentaram fazer isso, lançaram mão de moralismos e opiniões pessoais, sem qualquer embasamento científico.
As ciências do comportamento humano já sabem muito sobre o que é necessário para cultivar uma vida mais plena no que diz respeito ao equilíbrio mental. Conhecemos exercícios poderosos para exercitar nossa saúde neural. Sabemos quais as condições que favorecem o florescimento de nosso bem-estar. Mas ainda fazemos muito pouco com esse conhecimento.
Se queremos filhos, alunos, funcionários, parceiros saudáveis, precisamos lutar para incluir isso na cesta básica de cuidados. Se algumas escolas e universidades já têm demonstrado preocupação com isso, ainda assim temos um longo caminho pela frente. Posso até ser ingênuo, mas não entendo como o país possa se desenvolver (ou o mundo) abrindo mão disso. Afinal, para que serve riqueza em um coração miserável?
Diga-se de passagem, se essa pandemia e essa quarentena provaram alguma coisa foi que todos nós podemos nos beneficiar de um pouco mais de cuidado em nossa saúde mental.