É difícil permanecer satisfeito: o princípio da adaptação e a Mega-Sena
A Mega da Virada prometeu entregar mais de R$ 300 milhões ao vencedor. Dinheiro bem além do suficiente para mudar a vida de qualquer um. Você, como tantos, talvez tenha se flagrado planejando o que fazer com o dinheiro –casa nova, carrão, doação para familiares… Todos os problemas desaparecendo por encanto. Alegria perpétua em seis números mágicos.
Imagine a sensação de ver as dezenas sorteadas correspondendo a cada uma das que anotou em seu bilhete. Em poucos segundos, sua vida completamente transformada. O abraço das pessoas em volta e todas as promessas de felicidade e luxo. O êxtase de ver a sua vida completamente transformada em um instante. Deve ser intoxicante.
Agora, imagine acordar no dia seguinte e descobrir que teria de dividir o prêmio com outros 17 ganhadores. Que a sua fortuna foi de R$ 300 milhões para menos de R$ 20 milhões. Fácil como veio, o dinheiro foi embora. Como se sentiria?
Em uma situação dessas, a pessoa pensa: "Que azar, ganhei 'apenas' 18 milhões". Talvez ela até perceba o ridículo que é reclamar da sorte de ter se tornado milionária. Mas um mal-estar persiste na barriga. Isso porque, quando nos acostumamos com a ideia de receber uma quantia astronômica, outra quantia menor –mas ainda assim enorme– deixa de ser tão fantástica. É o que alguns psicólogos apelidaram de "princípio da adaptação".
Nossa tendência é dar valor aos acontecimentos, dependendo do contexto imediatamente anterior. Ou seja, R$ 18 milhões é muito, mas muito dinheiro para nossa vida cotidiana. Só que pode parecer pouco quando, no dia anterior, achamos que tínhamos R$ 300 milhões nas mãos.
Algumas pesquisas com ganhadores de loterias e vítimas de acidentes mostram bem isso. Apesar de ganhar na loteria ser infinitamente melhor do que sofrer um acidente debilitante, após um tempo, tanto os ganhadores quanto os acidentados tendem a retornar aos seus níveis iniciais de felicidade.
O ganhador da loteria é, primeiro, tomado pelo êxtase e se sente maravilhosamente bem ao comprar uma casa e um carro novo. Com o tempo, porém, ele se acostuma a essa riqueza. Daí, a mansão que comprou ao enriquecer se torna apenas a sua casa de todo dia. E, aos poucos, ele passa a se sentir como sempre.
O mesmo acontece com o acidentado. Primeiro, ele imagina que nunca irá se adaptar com a sua nova condição, mas acaba encontrando satisfação nas pequenas vitórias do seu dia a dia. Um movimento a mais no braço, que antes do acidente era algo trivial, vira uma grande conquista, comemorada e sentida como tal.
Em ambos os casos, gradualmente, as pessoas se adaptam à nova realidade. Elas comparam o momento atual com o que sentiam no dia anterior e não com seu passado distante. Assim, se eu acordei rico ontem, acordar com grana hoje já não é tão entusiasmante assim.
É possível retirar uma lição importante disso: somos muito ruins em avaliar os efeitos emocionais a longo prazo de acontecimentos marcantes. Imaginamos que a loteria é capaz de nos deixar felizes para sempre e um acidente grave, infelizes. Mas tanto ganhar na loteria quanto sofrer um acidente, frequentemente, só nos muda por alguns meses.
Se, por acaso, nos encontramos infelizes (e queremos mudar) e se já temos dinheiro suficiente para suprir nossas necessidades básicas –moradia, acesso à saúde, alimentação e educação (lembrando que quitar dívidas tem um efeito poderoso sobre o nosso humor)–, resultado nenhum da Mega-Sena pode nos salvar.
A tendência é voltarmos a nos sentir como sempre. Isso porque nos adaptamos rapidamente as coisas boas. Precisamos sempre de um pouco mais do que temos para nos sentir bem. A cada degrau que subimos, precisamos subir mais um pouco, em um ciclo que parece não ter fim.
Não é à toa que tantos filósofos, dos estoicos aos budistas, insistiram que a felicidade só é possível quando saímos dessa roda infinita de conquistas materiais.
FONTES:
[1] Brickman, P., Coates, D., & Janoff-Bulman, R. (1978). Lottery winners and accident victims: Is happiness relative?. Journal of personality and social psychology, 36(8), 917.
E Schulz, R., & Decker, S. (1985). Long-term adjustment to physical disability: the role of social support, perceived control, and self-blame. Journal of personality and social psychology, 48(5), 1162.
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