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Blog do Dan Josua

A dura tarefa de aguentar ver nossas crianças sofrendo

Dan Josua

07/06/2018 04h10

Crédito: iStock

Algumas pessoas continuam tentando mesmo quando o mundo parece estar desmoronando. Outras parecem desistir ao primeiro sinal de que as coisas vão dar errado. Chamamos quem faz parte do primeiro grupo de otimista ou vencedor, enquanto condenamos o segundo grupo a rótulos pouco generosos. Preguiçosos, pessimistas, derrotistas.

Raramente, no entanto, nos perguntamos que tipo de história de vida pode construir maneiras tão diferentes de lidar com as adversidades. Até porque a vida humana é complexa demais.

É impossível olhar para uma pessoa e selecionar, de todas as suas vivências, aquelas que, de fato, foram marcantes para um determinado padrão comportamental. Mas alguns experimentos com animais podem ser particularmente ilustrativos nesse sentido. Afinal, dentro de um laboratório, podemos ter a segurança de que as diferenças nos comportamentos são decorrentes das diferentes experiências a que submetemos aqueles animais.

No final da década de 1960, um brilhante psicólogo americano, Martin Seligman, desenvolveu um procedimento para ajudar a esclarecer que tipo de eventos poderiam levar à formação daqueles dois tipos de indivíduos. Já adianto que o modelo experimental é bastante triste. E, para piorar, as primeiras pesquisas foram feitas com cachorros — sim, os psicólogos da década de 1960 davam choques no melhor amigo do homem. Tudo isso é de cortar o coração, mas os resultados ajudam, até hoje, a entendermos melhor a depressão.

Seligman dividiu os cachorrinhos em três grupos diferentes. O primeiro deles, o chamado grupo controle, não sofria nada. Esses cães seguiam suas vidas entediados.  Já os integrantes do segundo e os do terceiro grupo eram divididos em duplas que tinham suas jaulas acopladas, de modo que todos os choques eram exatamente iguais para os animais no interior ambas. A diferença era que os cachorros do terceiro grupo tinham a possibilidade de aprender a apertar uma alavanca que desligava o choque. Sempre que um animal fazia isso, a descarga elétrica também era interrompida para o seu par no grupo 2. Ou seja, os dois cachorros recebiam a mesma quantidade de choques, mas apenas o do grupo 3 tinha controle  sobre a sua vida.

Depois, os animais dos três grupos eram testados. Verificava-se quanto tempo eles demoravam para aprender um comportamento novo. Dessa vez, para desligar o choque, por exemplo, o cão precisava pular um cercado.

Os dados de Seligman, replicados centenas de vezes (em diferentes animais) ao longo dos anos, foram impressionantes. Os animais dos grupos 1 e 3 aprendiam, com certa facilidade, o novo comportamento. Tomavam um ou outro choque e logo começavam a trabalhar para resolver o problema.  Ou seja, em pouco tempo, tanto os cães que tinham passado por uma situação difícil sobre a qual mantinham o controle quanto os que ficaram em um ambiente completamente seguro aprenderam a lidar com as dificuldades que se apresentavam em suas vidas.

Já os animais que tomavam choques, mas não eram responsáveis por eliminá-los — os do segundo grupo — mesmo que objetivamente tivessem passado pela mesma experiência de dor, permaneciam parados em seu canto. Esperavam, apáticos e tristes, que o  sofrimento cessasse em algum momento. 

A conclusão é simples.  O problema não são os obstáculos que surgem em nossas vidas. O problema parece ser uma vida na qual não temos controle sobre a remoção desses obstáculos. As dores a que somos submetidos no dia a dia não são mais importantes, por mais intensas que sejam,  do que a sensação de que somos capazes de fazê-las parar. 

A vacina da resiliência, assim, é garantir que a vida de nossas crianças (e a dos adultos) seja repleta de momentos em que a vitória seja consequência do seu comportamento. Resolver os problemas dos filhos, no final, os ajuda muito pouco.

Alguém que viva retirando a dor do caminho de uma criança, aos poucos só a ensina a esperar, deprimida, que as coisas se resolvam sozinhas. Em outras palavras, precisamos treinar a dura tarefa de deixar nossas crianças se machucarem — e lhes dar as ferramentas para que elas mesmas interrompam os seus choques.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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