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Blog do Dan Josua

Gostaria de sentir menos? Entenda como sofre quem se distancia das emoções

Dan Josua

13/09/2018 04h00

Crédito: iStock

Geralmente, a pessoa que procura o consultório do psicólogo quer sentir menos. Ela está afogada em tristeza, ansiedade ou angústia. Seu sonho é deixar de sentir. Poder deixar as emoções de lado e seguir a vida racionalmente. Até parece um bom plano, pelo menos até encontrarmos as pessoas que vivem assim –e que sofrem justamente porque sentem menos. 

Essas pessoas são mais comuns do que imaginamos, mas raramente pedem ajuda. Percebem que existe alguma coisa profundamente estranha com elas. Acham-se distantes dos outros e das experiências. Costumam trabalhar muito e são extremamente competentes –aliás, são os perfeccionistas do mundo. Muitas vezes, têm bons amigos e são queridas. Mas, elas próprias não sentem ninguém realmente próximo. 

Os amigos estão sempre a um passo de distância, como se a relação morresse na superfície. Suas esposas, maridos ou familiares são os únicos que presenciam a transformação quando quem sente menos chega em casa. Então, o sorriso fácil desvanece e um cansaço profundo toma conta, enquanto ela se refugia em uma tarefa qualquer. 

Com o tempo, as reclamações começam a se acumular. A esposa reclama do marido distante, que parece só se importar mecanicamente com ela –é o protótipo. E esse marido que sente menos passa a se perguntar se não tem algo de errado com ele. Ele deveria estar sentindo mais do que está sentindo, não deveria? Talvez, questiona-se, tenha nascido com um mecanismo a menos, quem sabe seja menos humano do que os outros.

Por que algumas pessoas sentem menos?

Segundo Thomas R. Lynch, que desenvolveu uma modalidade de terapia para ajudar esses pacientes, a RO-DBT, as pessoas que "supercontrolam" suas emoções se tornam assim por uma conjunção de três fatores. Existem, em primeiro lugar, uma predisposição genética. Há, em segundo, influências do ambiente familiar e cultural. Em terceiro, tratam-se de indivíduos com uma tendência excessiva a resolver problemas e exibem um  controle exagerado. Em resumo, Lynch mostra como a combinação desses fatores faz com que essas pessoas sejam extremamente sensíveis a ameaças, vendo perigo em quase todas as situações de estresse do cotidiano, e muito pouco sensíveis a recompensas. Ele também afirma que, frequentemente, o meio ao redor desses indivíduos valoriza comportamentos de autocontrole excessivo e isso só piora as coisas.

Seja como for, quando chega ao consultório de um psicólogo, uma pessoa assim quase sempre está angustiada, indagando se essa maneira de viver faz dela menos humana –mas nem essa angústia parece alcançar seu âmago. Ele apenas se encontra mais afogado em desesperança. Essa distância das próprias emoções vai se se tornando um dos piores sofrimentos imagináveis. Isso porque nossa natureza é tribal e indivíduos que sentem de menos têm a impressão de que passam suas vidas do lado de fora da tribo, os laços significativos sempre longe do seu alcance.

Ver-se sempre de fora não é fácil

O difícil é que essas pessoas acabaram sedimentando esse jeito de não sentir por serem excepcionalmente bem-sucedidas naquilo que o mundo lhes pede. É o caso da criança que topa ficar horas estudando piano para agradar uma mãe que sonha em ter um filho músico –mesmo que ele mesmo não goste de tocar. Pode ser, ainda, o funcionário que perde todos os fins-de-semana para fazer aquilo que o chefe lhe pediu. Ou a pessoa diligente que faz tudo o que lhe pedem e, no final das contas, se vê distante de todos para quem ela se sacrificou tanto.

Talvez por isso, ajudar quem sente menos a se conectar com seus sentimentos seja tão difícil. Porque isso pode implicar em ser não tão bem-sucedido, em dizer mais não e se mostrar vulnerável. Implica em poder errar e poder ser abobado de vez em quando. Afinal, são desses erros e dessas bobagens que se constroem os laços mais profundos de nossa teia social: é assim que se cria intimidade.

Somos íntimos do amigo que pode tanto nos ver falhar quanto comemora conosco as nossas conquistas. Somos íntimos da esposa ou do marido que dá risada de nossa dificuldade ao falar a palavra "iogurte" no meio de uma frase corrida. Somos íntimos das pessoas que deixam de exigir de nós e passam a construir conosco.

Somos íntimos, por fim, da mãe que decepcionamos. Aquela que permite que nós não sejamos um grande pianista. Que aceita, com uma careta e com um sorriso, que crianças trazem lama para casa.

Trilhar esse caminho de recuperar a vulnerabilidade não é fácil, especialmente em um mundo que parece cultuar super-homens e mulheres-maravilhas. Mas é possível. E, talvez, esse seja o único jeito de voltar para a nossa vida de tribo. Para os irmãos que precisamos ter. 

Afinal, uma vida que vale a pena ser vivida é uma vida que vale ser compartilhada.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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