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Blog do Dan Josua

Podemos mudar a forma como alguém pensa?

Dan Josua

01/11/2018 04h00

Crédito: iStock

Phil é um cara americano que, na melhor das hipóteses, beira o racismo. Com certeza é xenófobo –prefere distância dos mexicanos, que, na sua opinião, estão destruindo o seu país. Está, em certa medida, como muitos de seus conterrâneos: preso em uma visão de mundo com pouca empatia. Acreditando que a realidade precisa ser dividida entre nós e eles –os bons e os maus.
O mágico, mentalista e ilusionista Derren Brown, em uma espécie de experimento psicológico filmado, tenta mostrar como é possível construir uma nova visão de mundo para Phil. Mais ainda,  como é possível fazer com que ele passe a agir de maneira completamente diferente.
O desafio é fazer com que Phil, em alguns meses, vá do ódio aos mexicanos a alguém que seria capaz de se sacrificar por um deles — um desconhecido, ainda por cima. Literalmente, o projeto é fazer com que Phil se disponha a tomar um tiro por um imigrante ilegal.
O impressionante é que, entre uma série de truques mirabolantes e procedimentos de ética bastante questionável, Darren Brown consegue transformações iincríveis. Não vou estragar nada para ninguém, vale a pena, para quem tem curiosidade, assistir ao pequeno documentário "Derren Brown: Sacrifice" (Sacrifício, em tradução livre), que dura menos de 50 minutos, disponível no Netflix.
A teoria de Derren Brown é que qualquer ser humano tem mais alternativas em sua atuação no mundo do que as mesmas narrativas surradas que ficamos repetindo para nós mesmos todos os dias. Phil estava preso em um looping infinito em que precisava repetir o mesmo papel todos os dias. Ele provavelmente nem percebia a sua prisão enquanto repetia palavras de ódio a imigrantes. Assim, mudando um pouco sua relação com seu mundo externo e com as pessoas à  sua volta — e usando um tanto de sugestionamento — foi possível gravar Phil em uma transformação quase mágica.
É uma pena que a transformação orquestrada pelo ilusionista vá apenas em uma direção. Ou seja, que ele tenha apenas pego um personagem com uma visão política e a invertido. Teria sido fantástico se ele tivesse mostrado que o contrário também é possível –que também é possível, por exemplo, transformar uma pessoa pró- imigração em uma pessoa contra a imigração, usando as mesmas estratégias.
Do jeito como o documentário está construído, saímos com um gosto ruim na boca de que é possível melhorar as pessoas –convertendo-as à visão política de Darren Brown.
Muito mais importante, talvez, seria mostrar como qualquer visão é circunstancial. Marcada pelo grupo social a que pertencemos e pela repetição infinita de que o nosso jeito é o certo.
A verdade é que não sabemos por que pensamos como pensamos. Não nos damos conta dos fios que nos comandam para as nossas convicções. E, se por um lado pode haver certo e errado, a lição que parece ser a mais importante em tempos polarizados é de que na maioria das vezes escolhemos nosso lado a partir desses fios invisíveis e não a partir de uma reflexão crítica.
Escancarar esses fios em todos nós talvez seja o passo necessário para um diálogo no meio de tanta polarização. Talvez estejamos precisando lembrar disso. Há possibilidade de mudanças importantes em nossas vidas. Não estamos presos em nossos papéis sociais. Mas, para mudar, é preciso mexer nesses fios invisíveis —  mesmo sem nenhum Darren Brown para orquestrar essa mudança para nós.

 

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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