Não culpe o excesso de celular: até batatas causam mais mal ao jovem
O título do meu texto de hoje é chocante, eu sei. Mas logo me entenderá. Os adolescentes de agora, presos em seus celulares, se esquecem da vida real e se mostram cada vez mais deprimidos –esta é uma teoria é atraente. Eu mesmo cheguei a replicá-la aqui, neste blog, mas ela aparentemente está errada.
Um novo estudo, publicado no prestigiado periódico Nature Human Behaviour, reavaliou todas as grandes bases de dados sobre o comportamento de adolescentes e o seu bem-estar psíquico. Usando métodos estatísticos muito rigorosos, concluiu que, apesar do maior uso de eletrônicos estar correlacionado com um maior sofrimento psicológico, o efeito de sua presença no dia a dia é muito pequeno.
Fumar maconha ou sofrer bullying estão bem mais correlacionados com o sofrimento psicológico de jovens do que o uso de tecnologia. Assim como deixar de ter uma boa rotina de sono ou não tomar café da manhã regularmente.
Até mesmo elementos que deveriam ser neutros parecem causar mais mal-estar do que o uso de telas eletrônicas. Usar óculos, por exemplo, está mais associado com esse tipo de sofrimento. Mais estranho ainda: segundo o trabalho, comer batata rotineiramente também.
Para os pesquisadores, veja que interessante, a partir dessas informações pinçadas nas bases de dados, é tão absurdo criar políticas públicas ou orientar pais e responsáveis a coibir o uso de eletrônicos quanto tentar minar o uso de óculos ou diminuir o consumo de batatas. Isto é, não faz sentido algum.
A questão fundamental, ao meu ver, é que essa análise a partir de bancos de dados gigantescos, por mais criteriosa que tenha sido, não é definitiva. A relação entre tempo consumido no mundo digital e o bem-estar dos adolescentes é complexa e essa investigação, fadada a investigar apenas correlações, não explica as relações de causa e efeito entre uso excessivo de computadores e celulares e a saúde mental. Para isso, seria preciso uma análise mais profunda.
E, justamente por falta de uma análise mais profunda, talvez seja por isso que, quando os primeiros estudos apontaram que o uso de smartphones estava por trás de uma epidemia de sofrimento mental em adolescentes, tenha sido tão fácil comprar essa ideia. Porque ela parece verdadeira. Afinal, nós, os adultos, ao vermos a realidade de um adolescente, muito diferente da infância que idealizamos, nos apressamos em apontar o dedo. Nostálgicos, olhamos para o que está diferente de como foram os nossos próprios anos dourados e atacamos: está aí o problema. Essa juventude está condenada porque é diferente da nossa, muitas vezes pensamos.
Quando acreditamos que fomos mais felizes sem celulares e que o jovem de hoje está estragado, olhamos para a diferença entre as gerações — na nossa cabeça, representada pelo tal celular — e construimos a crença de que encontramos um culpado.
Mas a verdade que esse grande estudo estatístico parece apontar, ao juntar óculos, celular e maconha, é outra. Provavelmente, o que faz o adolescente sofrer hoje é o mesmo que fez os seres humanos sofrerem desde sempre: pobreza, isolamento social, sedentarismo, falta de sentido naquilo que fazem, entre tantos fatores existenciais.
Mas seria tão mais fácil culpar o celular… Se o problema estivesse na telinha, bastaria arrancá-la da mão dos jovens. A realidade, pra variar, se recusa a ser tão banal.
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