Não fale de sua depressão (apenas) como uma doença
Falar sobre depressão de maneira aberta exige coragem, como postei na semana passada. Precisamos mesmo tirar o estigma do sofrimento mental. Porque transtornos psiquiátricos ou sofrimento psíquico não são coisa de gente fraca. São coisa de gente. Ponto.
Mas venho refletindo: vemos vários especialistas recomendando que a gente descreva o sofrimento psíquico como se fosse uma doença. Para fugir do preconceito que ainda permeia esses transtornos, a tentativa é de equivaler a depressão ou a ansiedade a um resfriado ou a uma pneumonia. Ou seja, a doenças orgânicas sobre as quais não temos controle nem responsabilidade.
Mas, se é verdade que a depressão, por exemplo, tem a ver com algo que ocorre nos neurônios do cérebro — um déficit de serotonina, provavelmente —, ela não se limita a isso. Assim como a dengue provoca febre, algo está provocando um episódio de depressão.
Por um lado, é provável que exista alguma fragilidade genética. Por outro, há alguma relação com a vida que levamos. E a minha sensação é de que, enquanto insistimos em falar da depressão apenas como uma doença, perdemos esses outros lados, o da relação com o ambiente que a provocou.
Imagine a seguinte situação na sala de espera de um médico. Um paciente diz às pessoas ali que está deprimido. Que seu cérebro parou de produzir a quantidade certa de serotonina e que agora ele mal tem forças para ir ao trabalho.
Em uma segunda sala, idêntica, um outro paciente deprimido conta uma história diferente. "Eu estou muito triste", ele diz. "Minha esposa sofreu um acidente. Ela era a mulher da minha vida. Eu amo meus filhos, mas cada vez que eu olho para eles, na correria do trabalho e de todas as tarefas domésticas, eu me lembro dela e quase perco as minhas forças.
Ambos os homens estão deprimidos. Mas a quem oferecemos nossa escuta? A quem estendemos a mão para ajudar? O mais provável é que as pessoas procurem ajudar o segundo homem. Seu sofrimento, descrito assim, não é apenas feito uma febre do seu corpo, mas algo que está sendo provocado por sua vida.
Veja bem, os dois homens podem se beneficiar, e muito, de antidepressivos. Não se trata de negar esse recurso a ninguém. No entanto, é preciso notar: o homem que sofre menos estigma não é o que simplifica seu sofrimento apresentando-o como uma doença e, sim aquele que nos lembra que o sofrimento é parte da vida. E que, portanto, a diminuição desse sofrer também pode ser alcançada ao mexermos no dia a dia.
Essa, talvez, seja a nova maneira de falar de depressão. Não como uma doença ou um surto, mas como a consequência das conexões que estamos fazendo em nossas vidas. É o que acontece quando esticamos demais a corda das obrigações e esquecemos de guardar tempo para as outras coisas importantes , como a família, o casamento, religião ou o lazer.
Depressão talvez seja o sintoma que surge quando nossas conexões fundamentais ficam adoecidas.
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