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O que é preciso para diminuir nossas alergias emocionais?

Dan Josua

04/04/2019 04h00

Crédito: iStock

Em meados da década de 1990, quatro a cada mil crianças americanas tinham alergia a amendoim. Preocupadas com os riscos que essas crianças corriam, agências de saúde do país iniciaram uma série de medidas para protegê-las. Amendoins foram banidos das escolas e das dietas das crianças. 

Depois dessa intervenção, o número de crianças alérgicas a amendoim mais do que triplicou. O que aconteceu?

Aparentemente, a resposta é simples. Ao privar a criança de determinados alimentos em idades mais precoces, retiramos a oportunidade do organismo de aprender a processar esse alimento de forma saudável. Sem esse aprendizado, ao ser exposto a um amendoim pela primeira vez, o organismo responde como se ele fosse uma ameaça. 

Em outras palavras, em nosso afã de protegê-las, acabamos deixando nossas crianças mais vulneráveis. Porque elas não precisavam, nessa situação, de cintos de segurança, mas de exposição ao perigo. O problema é que pegamos um aprendizado cultural importante –o cinto de segurança protege nossas vidas — e o exportamos para uma situação onde esse aprendizado não é válido. Isso é, usamos a lógica do cinto de segurança com alergias, mas o mecanismo de funcionamento das duas dimensões é distinto.

Uma das dificuldades de criar um filho é justamente entender quando fugir dessa lógica de proibir amendoim. Quando o que nossas crianças precisam é de um pouco de perigo e sofrimento. É entender que em muitas situações o desenvolvimento dos seres humanos é avesso à segurança. 

Sinto que estamos criando para jovens e crianças ambientes excessivamente seguros. Pautas onde as opiniões não podem ser contestadas a favor de proteger os sentimentos de uma criança ou adolescente.

Em outras palavras, o que estou querendo dizer é que, enquanto educadores, precisamos saber quando é a hora de envolver o piso em plástico bolha e quando é a hora de deixar que os joelhos ralem.

Porque a vida é repleta de machucados. E a infância é o momento ideal para aprender a conviver com a dor. Aprender que dor, como qualquer sentimento, vem, aumenta e passa. 

Crianças, a medida que crescem, precisam ouvir coisas difíceis para poder se desenvolver. Dizer para todos os meninos que eles são tão bonitos quanto o Brad Pitt é preparar o terreno para decepções futuras. Afinal, esse falso escudo conta duas mentiras. A primeira, objetiva, de que nossa beleza cotidiana é igual a do homem galã de novela. Na segunda, não intencional, acabamos ensinando que a única maneira de ele apreciar o próprio corpo é se convencendo de que possui uma beleza perfeita. Ou seja, no final, ao equivaler todas as belezas, acabamos inadvertidamente ensinando que é preciso beleza para merecer amor, por exemplo.

É preciso ensinar, desde cedo, as crianças a lidarem com pessoas que têm opiniões diferentes – e com o desconforto que sentimos ao ouvir algo que discordamos sendo defendido. Essa, provavelmente, é a única maneira de construir um futuro onde adultos podem discordar e, ao mesmo tempo, se respeitar.

Mais do que tudo, permitir essa "cultura do amendoim das emoções" é garantir que o cérebro esponja de uma criança absorva o que precisa ser aprendido para a vida adulta. Com todas as nuances e as ferramentas que a idade da criança permitir. Adianta pouco falar das propriedades de líquidos não newtonianos com crianças de 5 anos, por exemplo. 

A sociedade perde quando criamos crianças que não poderão se tornar adultos capazes de ouvir os outros e os próprios sentimentos com parcimônia. E, para desenvolver essa habilidade, feliz ou infelizmente, é necessário sentir. É necessário introduzir o amendoim emocional na educação de nossas crianças.

Seres humanos não são avessos ao risco – se desenvolvem neles.

 

[PS: esse texto não deve servir como uma sugestão de dieta alimentar, siga sempre as orientações nutricionais do seu pediatra ou nutricionista]

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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