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Como cuidar de alguém que está sofrendo com pensamentos suicidas?

Dan Josua

01/02/2018 04h00

crédito: iStock

Suicídio acontece com muito mais frequência do que você provavelmente imagina. A cada 40 segundos, uma pessoa se mata no mundo. Suicídio não é frescura. Suicídio é sofrimento em sua versão mais terrível.

Muitas vezes, evitamos até falar sobre o assunto, receando que, de alguma maneira, a conversa incentive alguém a se matar. A exposição na mídia até pode ter esse efeito em alguns casos, mas existem maneiras responsáveis de abordar o tema. No lugar de cenas fortes e teatro midiático, podemos oferecer esperança, um caminho para quem está sofrendo desse jeito, porque tratamentos efetivos existem.

Se você conhece alguém que está sofrendo com isso e gostaria de ajudar, mas não sabe muito bem como, talvez as informações que darei aqui sejam pistas.

Em primeiro lugar, certos mitos precisam ser quebrados. Frequentemente, ouvimos que "quem quer se matar não avisa antes". Entretanto, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo menos dois terços das pessoas que tentaram se suicidar ou que de fato se suicidaram haviam comunicado sua intenção para amigos ou familiares. Ouvir e levar a sério é fundamental.

Depois, é importante entender o que costuma acontecer dentro da cabeça de alguém que chegou ao ponto de pensar em retirar a própria vida. Vários estudos apontam que as pessoas com ideação suicida (ou seja, que pensam em se matar) costumam apresentar três sinais típicos.

  1. Elas se sentem fracassadas: "Eu lutei ao máximo e não foi o bastante";
  2. Elas sentem desesperança em relação ao seu futuro: "As coisas não têm como melhorar";
  3. Elas se sentem presas em suas vidas: "Não há saída para os meus problemas".

Sentir tudo isso é extremamente angustiante

No entanto, as coisas não permanecem do mesmo jeito para sempre. O tempo muda tudo e é nosso maior aliado na luta pela vida. Essas certezas que invadem a cabeça de uma pessoa que pensa em se matar, como todas as certezas do mundo, são passageiras.

O que todos precisam é de apoio para passar pelas fases em que estão sofrendo. Isso é verdade para mim e é verdade para você. Isso é mais verdadeiro ainda para alguém que está pensando em suicídio.

Por isso, mais do que procurar soluções ou tentar refutar a visão da pessoa sobre si mesma –procurar convencê-la do quão legal ela é, por exemplo–, é fundamental oferecer um ombro e uma escuta. Mostrar que ela não está sozinha.

É importante enfatizar: escute de forma empática e não tente solucionar todos os problemas da pessoa por ela. Escutar de forma empática é ouvir a história de alguém, tentando vestir a sua pele e sentir como ele se sente.

É ainda fundamental evitar qualquer  julgamento. Mesmo os bem-intencionados. Frases de efeito como "pense positivo" ou "se você confiar em Deus e trazê-Lo para o seu coração…", mesmo que ditas com a melhor das intenções, podem ter um efeito devastador em alguém sofrendo com ideações suicidas. 

Assim, no lugar de dar sugestões e tentar encontrar soluções genéricas pela pessoa, faça perguntas. Uma excelente maneira de começar uma conversa com alguém que está sofrendo de ideações suicidas é dizer coisas como: "Cara, como você está?", ou "Ando sentindo você pra baixo nos últimos tempos e queria saber se quer conversar comigo sobre o que está acontecendo". 

Falar essas poucas palavras pode parecer simples. Ouvir essas palavras, porém, pode ser profundamente transformador. Essas perguntas simples são a porta de entrada para uma conversa que deixa claro: "Eu me preocupo com você. Eu quero ouvir a sua história". Ouvir qualquer forma de "Eu me importo com você" pode ser muito poderoso.

Lembre-se, também, de não forçar a barra: não fique insistindo se a pessoa não estiver a vontade de falar no momento. Mas deixe a porta aberta para outras (possíveis) conversas no futuro. Converse em um lugar tranquilo, onde vocês possam falar sem interrupções e sem medo de que alguém vá escutar.

Ao longo desse papo, use algumas estratégias para ser um bom ouvinte:

  •  Demonstre que está atento. Por exemplo, concorde com a cabeça, deixe claro por meio do olhar que você está concentrado e que você se importa;
  •  Faça perguntas abertas, por exemplo: "Como você se sentiu quando pensou nisso?", ou "o que passou na sua cabeça naquele momento?". Evite fazer indagações do tipo sim ou não: elas costumam travar a conversação. Também evite questionar por que a pessoa está pensando em se matar, pergunta muito difícil e, muitas vezes, aversiva para a pessoa com pensamentos suicidas;
  •  Verifique se você está de fato entendendo o que a pessoa está dizendo. "Você quis dizer que está exausto?".

Ao escutar e dar suporte, fique especialmente atento para frases que revelem a existência de um plano suicida imediato ou muito próximo: "Eu não aguento mais, vou fazer isso hoje à noite" são sinais de alerta muito importantes.

Nesses casos, não deixe a pessoa sozinha –ela corre um risco de vida elevado. Busque por ajuda imediatamente, ligando para um médico ou para o Centro de Valorização da Vida. Garanta a segurança dessa pessoa, afastando-a de meios e objetos letais. E, claro, se possível, tente  levá-la imediatamente para um atendimento profissional. Procure um médico ou alguma unidade que atenda emergências desse tipo.

Mesmo que o plano não seja imediato, que a pessoa relate que apenas pensa no assunto ocasionalmente, incentive-a a procurar ajuda. Sugira um psiquiatra ou um psicólogo. Garanta que ela saiba como procurar auxílio – e, se ela não souber, ajude-a a procurar um profissional qualificado.

Por fim, lembre-se que dar suporte para tanto sofrimento também é uma carga pesada. Procure você também ajuda. Fale com o CVV. Vá atrás terapia. Você também precisará de cuidados depois dessa experiência.

Juntos, podemos combater o sofrimento.

Se você está pensando em retirar a sua própria vida, saiba: existe esperança, mesmo que agora você não esteja conseguindo enxergar. Procure um psicólogo ou um psiquiatra. Ligue (ou entre no chat) do Centro de Valorização da Vida (telefone: 141; chat: https://www.cvv.org.br/chat/). Procure alguém para conversar. Você não precisa ficar sozinho nessa.

[esse texto foi inspirado no texto do brilhante psicólogo e pesquisador de suicídio, doutorando no assunto pela Universidade de Glasgow, Tiago Zortea. Tiago, obrigado pela generosidade com que você autorizou que eu me inspirasse no seu trabalho e o usasse como base para transformar este blog em um pequeno guia] 

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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