O previsível padrão de uma birra ou de um elevador que não funciona

Crédito: iStock
Um menininho de seis anos está jogado no chão do mercado gritando que quer levar mais chocolate. Sua mãe, com vergonha, sorri para as pessoas que passam. Dois minutos depois, ainda soluçando, o garoto passa pelo caixa com o chocolate em mãos.
Um adulto sai do seu apartamento e tenta chamar o elevador. O botão não acende. Ele olha um pouco para o lado e tenta novamente. Nada acontece. Ele aperta o botão duas vezes em sequência, com um pouco mais de força. A luz continua apagada. Olha para o relógio e balança a cabeça. Irritado, aperta o botão com ainda mais de força — e mais e mais força, mais vezes. Finalmente ele consegue chamar o elevador e sorri aliviado — o seu cotovelo apertado firmemente contra o botão.
Temos facilidade para apontar o dedo para o menino da primeira história e o acusar de mimado. Ao mesmo tempo, é fácil sorrir se imaginando na mesma situação do homem no elevador.
Separamos esses dois episódios como se elas estivessem falando de situações completamente diferentes, mas o mesmo fenômeno está por detrás de ambos. Algo que os psicólogos comportamentais chamam de curva de extinção.
Para entender o que isso significa é preciso, antes, declarar algo óbvio: muitos de nossos comportamentos são controlados pela consequência que eles produzem. O nosso pedir por chocolate acontece naquelas situações onde ganhamos chocolate no passado — é difícil imaginar a mesma birra pelo doce durante a aula de natação. Assim como o nosso apertar o botão se sustenta porque, quando o fazemos, o elevador acaba chegando.
A curva de extinção acontece quando nos vemos privados de determinada consequência que estávamos habituados a receber no passado. Essa curva é típica e contém alguns elementos básicos: insistência, irritação e tentativas mais agressivas até que, finalmente, desistimos. Ou seja, se o botão não funcionasse mesmo, eventualmente o homem desistiria do elevador e pegaria a escada.
O mesmo vale para a mãe com a criança. Se deixasse ela ficar no chão do supermercado gritando sozinha (sem receber seu chocolate), ela eventualmente pararia de fazer a sua manha.
O que psicólogos desavisados e pessoas sem filhos não percebem (mas muitos pais sabem) é que essa criança está sofrendo. O que chamamos de birra vem acompanhada de um sofrimento real. Não é um teatro. As crianças não costumam saber conscientemente o motivo de estarem no chão daquele jeito jeito. O que importa é a consequência do seu comportamento.
Assim, se sofrimento é uma medida importante nisso tudo, é fundamental que os pais se perguntem: será que eu aguento esperar, em um lugar público, enquanto o meu filho passa por essa curva de sofrimento, irritação e insistência (geralmente com berros e choro)?
A maior parte das pessoas (eu, por exemplo), quando responde a essa pergunta com sinceridade, percebe que, no final das contas, vai sempre acabar cedendo para esse sofrimento público. E, assim, inadvertidamente, acaba ensinando o filho a sofrer para ganhar o que quer.
A solução, talvez, seja escolher melhor a hora de ceder e a hora de negociar com o seu filho, adiantando-se a esse previsível processo.
E dar, aos poucos, a chance de que seu filho se acostume a receber um não. Permitir que ele vá compreendendo a razão da negativa. Para que, com o tempo, ele possa dizer esse não por ele mesmo e, quem sabe, se tornar um adulto que, se o botão não acender e estiver com pressa, respire fundo pegando as escadas.
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