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Causas da depressão não estão no cérebro: entenda

Dan Josua

16/08/2018 04h00

Crédito: iStock

Após quarenta anos bebendo em excesso todos os dias, o paciente ouve o diagnóstico fatídico: cirrose hepática. Uma consequência esperada do longo período em que abusou da bebida. A doença que ele adquiriu se manifesta no fígado, mas não é, exatamente, causada pelo fígado. É causada pela ingestão excessiva de álcool.

O mesmo vale para a depressão. 

É claro que é uma doença que se manifesta no cérebro –a hipótese mais comum é que se trata de uma falta do neurotransmissor serotonina nas fendas sinápticas entre os neurônios. Mas o fato de que se manifesta no cérebro não significa que seja causada pelo cérebro. Do mesmo modo que uma cirrose hepática não é causada pelo fígado, mas pelo álcool ingerido, a depressão não é explicada pelo nível de serotonina, mas pela relação da pessoa com o mundo onde vive, a qual produziu esses níveis de serotonina. 

Ou seja, é necessário olhar para a relação do indivíduo deprimido com o seu mundo para entender o que produziu a sua condição. O cérebro não é uma ilha isolada que funciona sozinha –ao contrário, é uma ilha conectada por milhares de pontes, absorvendo o mundo e aprendendo com ele. Diversas pesquisas já comprovaram que a estrutura cerebral se modifica de acordo com as experiências que uma pessoa tem. Exames de ressonância magnética do cérebro de gêmeos idênticos adultos mostram estruturas diferentes. Isso porque a vida e as experiências que esses irmãos tiveram foram diversas, logo produziram cérebros diferentes.

Essa discussão é importante porque dependemos, cada vez mais, das soluções medicamentosas para tratar dos transtornos psiquiátricos. Veja bem, essas medicações são necessárias, mas não são as únicas ferramentas para lidar com o sofrimento humano. Ou seja, apesar de elas serem parte importante do tratamento, não poderão ser a cura completa, uma vez que essa "doença" é consequência do contato que estabelecemos com o mundo. Se queremos curá-la, precisamos mudar a relação que estabelecemos com o nosso ambiente.

Se não começarmos a olhar para a relação desse cérebro (dessa pessoa) com o mundo, ficaremos eternamente tentando tratar cirrose hepática em um paciente que se recusa a parar de beber.

Há condições genéticas que deixam algumas pessoas mais vulneráveis do que outras a transtornos psiquiátricos, claro. Mas a expressão desses genes não deve ter aumentado no mesmo ritmo com que a prescrição de antidepressivos tem crescido. Alguns pesquisadores apontam que o uso dessas medicações chegou a aumentar em 27% entre 2016 e 2017 no Brasil (dados da InterFarma) e ao mesmo tempo, segundo a OMS, a quantidade de casos incapacitantes de depressão aumentou em 18,5% de 2005 a 2015.  Seja como for, o fato é que ainda conhecemos relativamente pouco a respeito desses genes, mas já sabemos muito das condições ambientais que nos deixam mais vulneráveis à depressão.

Mas quais causas são essas?

A cada conforto e maravilha que a internet e o celular nos trazem, nos vemos cada vez mais isolados. Estar solitário faz com que o seu corpo produza o mesmo tipo de hormônio e reação de quando tomamos um choque. Fique solitário por tempo suficiente e seu cérebro vai refletir essa condição como tristeza e desesperança. A questão é tão séria que a Inglaterra, hoje, tem um ministério apenas para cuidar da epidemia de solidão em suas grandes metrópoles. A solidão é um dos Aedes aegypt da depressão –pouco vai adiantar cuidar dos sintomas da dengue se não diminuirmos os focos do mosquito que transmite a doença.

O trabalho em nossa sociedade tem sofrido de condição semelhante. Quantas pessoas não ficam deprimidas porque veem que seu trabalho não importa? Quantos profissionais não percebem que se esforçar mais só vai aumentar a quantidade de trabalho a fazer e que ser muito competente não costuma levar a reconhecimento e elogios da chefia? E, assim, quantos não vão se desanimar com o trabalho e, aos poucos, se entristecer e deprimir cada vez mais?

Poderíamos discorrer sobre muitas outras maneiras como a vida moderna tem aumentado a depressão no mundo. Mas esse não é o ponto deste texto.

Precisamos de um passo mais simples. Precisamos substituir a ideia de que estamos deprimidos porque o nosso cérebro está com um defeito pela percepção de que nosso cérebro está refletindo a nossa vida. É preciso que voltemos a falar de nossas vidas. Voltemos a falar de tristeza e solidão e não apenas de depressão e serotonina. Temos mais chances de nos sentirmos deprimidos quando nosso trabalho não nos preenche, quando nos sentimos isolados em nossos celulares ou quando abandonamos atividades prazerosas em nosso dia a dia. 

Estamos deprimidos porque estamos vivendo rotinas que não nos preenchem. E se, muitas vezes, pode ser importante tomar remédio para melhorar os sintomas, é tão importante quanto, ou talvez mais importante, voltar os olhos para a nossa vida e modificá-la. Não é nosso cérebro que está doente, é nosso mundo. Friso: nosso sistema nervoso central é, apenas, o lugar onde a nossa relação com o mundo se reflete. 

A depressão –assim como a ansiedade, por sinal — é uma doença da nossa relação com o mundo. E precisamos voltar a falar dela dessa maneira.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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