Ministério da Solidão adverte: é impossível ser feliz sozinho; veja por que
O Reino Unido estabeleceu, no ano passado, um ministério da Solidão. O ministério, a princípio um pouco estranho, vem para cuidar de uma triste realidade contemporânea: milhões de pessoas vivem seus dias se sentindo absolutamente solitárias. Isoladas, se tornam presas fáceis para as garras da depressão. Sozinhas, se vêem com dificuldade para entender qual o sentido de suas existências.
Para essa solidão, as receitas que nos dão frequentemente são dicas de autossuficiência. Outro dia, li no Twitter ou no Instagram que, em última instância, sempre terminamos sós e que podemos escolher se isso será uma tragédia ou uma liberdade.
A frase parece bonita e poética. Mas é apenas uma versão maquiada de um duro imperativo contemporâneo que insiste (sem evidência alguma) que cada pessoa tem tudo do que precisa para superar qualquer obstáculo dentro dela mesma.
Essa máxima perversa se esconde atrás de uma série de clichês que preenchem as páginas e saem das bocas que distribuem conselhos por aí: "você pode tudo, se confiar em você mesmo"; "você é o seu maior aliado", etc.
Essa cultura é uma foice que corta duas vezes. A primeira quando somos cada vez mais incentivados a produzir sozinhos, a manter nossa distância e a tentar superar todos os obstáculos por conta própria. E a segunda, assim que o peso da solidão começa a nos esmagar, vem na forma de culpa. Afinal, nos vendem a ideia de que o problema está dentro da gente. Que, no fundo, somos fracos por não suportar nossa própria companhia. Mas é quase impossível, a longo prazo, suportá-la.
Somos um animal de bando, selecionados na evolução para prosperar em pequenos grupos coesos. Não é à toa que boa parte dos sistemas prisionais do mundo usam a solitária como a maior punição dentro do cárcere. Em geral, os presos preferem a companhia de assassinos e ladrões do que a condenação ao abandono completo.
É preciso dizer com todas as letras: nenhum homem é uma ilha. Nossa saúde mental não vem de uma entidade que nos habita, mas das conexões que construímos com o mundo, com outros seres humanos.
E, se é verdade que podemos aprender a melhorar nossa conexão até mesmo com o nosso próprio respirar (esse, em última instância, é o objetivo de muitas práticas meditativas), também é verdade que mesmo essa experiência, se não pode ser partilhada, acaba perdendo seu sentido.
Sim, até mesmo os monges, que fogem para ficar a sós na montanha por semanas, em algum momento retornam para o monastério, onde a comunhão ajuda a construir o sentido para a experiência da solidão.
No fim das contas, não estou dizendo que não devemos aprender a aproveitar nossa própria companhia, ou que não é possível mudar nossa relação com o estar sozinho. Claro que podemos e claro que é possível. O que eu estou dizendo é que isso só é possível se temos algum lar para voltar. Um lugar que seja preenchido por pessoas de verdade.
O Reino Unido, com a criação desse Ministério da Solidão, dá o primeiro passo para resolver o problema do isolamento contemporâneo. No mínimo, a reconhecer que não podemos viver completamente isolados. Que somos bichos de bando e que é preciso retomar nossa relação com esse bando, de tempos em tempos (no mínimo).
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