Pare de entrar (tanto) em debates imaginários durante o banho
Será que sou só eu ou todo mundo tem mania de pensar em como resolver seus problemas durante no chuveiro? Quem nunca se imaginou revidando alguém e levando a melhor em uma discussão no chuveiro? "Eu poderia ter dito isso ou aquilo…", os argumentos parecem ficar perfeitos quando misturados com o vapor de água quente. E como é gostoso vencer esses debates internos.
Mas confesso que, sempre que venço mais um desses duelos imaginários, assim que saio do banho a alegria da vitória se dissipa. As réplicas que minutos antes pareciam tão precisas se evaporam no ar. E eu me vejo impelido por um aperto no estômago a recomeçar a discussão com o adversário que, naquele instante, está apenas na minha cabeça.
Para meu deleite, também ganho a segunda batalha. Só que, dessa vez, enquanto me enxugo, o gostinho da vitória já não é mais tão doce. Repito tudo umas três, quatro, cinco vezes. E, sinceramente, acho que os meus argumentos se mostram imbatíveis. Mas, no final das contas, essas brigas que acontecem na imaginação não fazem nada pela minha felicidade.
Ao contrário, muitas vezes o banho é só o início e acabo perdendo a noite nesses embates. Claro, essa não é a maneira como gostaria de aproveitar o meu descanso. Se cada vitória traz um pequeno alívio, sempre que a luta é retomada também experimento de angústia. Portanto, o custo de ficar remoendo conflitos e pensar em como eu poderia dar uma bela resposta aos outros é mais sofrimento e menos vida.
Trata-se de uma péssima equação, se vocês querem saber a minha opinião. Fico tomando veneno e comemorando se por acaso o meu inimigo imaginário sucumbe. Não é tão estranho que eu saia dessas batalhas iniciadas no chuveiro com um pouco de gastrite.
O que acontece no meio dos debates fantasiosos é que a gente perde de vista qual é o verdadeiro inimigo. Ele não é o argumento de quem é contra o que eu penso. O meu inimigo é a própria luta. É me confundir com o embate de tal maneira que ele passa a ofuscar todo o resto.
A solução para comportamentos assim envolve parar e respirar. Olhar para os nossos pensamentos sombrios como sendo apenas isso: pensamentos e nada mais. Deixar a luta de lado — e, com ela, a sensação volátil de vitória. Para daí, quem sabe, aproveitarmos o agora. Não perder tempo com brigas internas para aproveitar a companhia de quem amamos —ou simplesmente curtir relaxado o banho. Mesmo que, agindo assim, eu perca a chance de, sob a água quente, bolar os melhores argumentos, aqueles que eu nunca vou usar.
Para saber mais:
O pequeno texto acima está dando uma pequena prévia de uma técnica, de se afastar dos pensamentos, conhecida por desfusão. Ela é parte importante da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Para uma versão simplificada dessa terapia, leia ACT made simple de Russ Harris. Para uma descrição mais precisa, veja, por exemplo, Acceptance and Commitment Therapy, Second Edition: The Process and Practice of Mindful Change, de Steven C. Hayes, Kirk D. Strosahl e Kelly G. Wilson.
A ACT se mostrou eficaz para uma série de patologias. Veja uma metanálise: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25547522. Outras (49) metanálises podem ser encontradas aqui: https://contextualscience.org/state_of_the_act_evidence. ]
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