Crise de coronavírus afeta mente primitiva: como psicólogos podem ajudar

Crédito: iStock
Aqui em casa, já peguei a doença umas sete vezes. E olha que eu nem fui para a Itália e muito menos para a China. Infelizmente, os efeitos nefastos do coronavírus vão além do que ele faz com o nosso corpo. A infecção também está afetando nossas mentes e nossos bolsos com virulência.
Alguns psicólogos, especialmente dos Estados Unidos, têm até escrito que os estragos do vírus na saúde mental e econômica são piores do que os seus efeitos físicos em si. Não seria racional, na opinião de alguns desses profissionais, sentir tanto pavor de um vírus cuja mortalidade é de "apenas" 2%. Muito menos se você é como eu: tem menos de 40 anos de idade e, pelo menos até onde sabe, é uma pessoa saudável.
De acordo com essa linha de pensamento, os efeitos do vírus são tenebrosos porque se firmam em nossa mente mais primitiva. Em um cérebro que não está preparado para lidar com manchetes de jornal nem com estatísticas. E que, por isso, recebe essas mensagens e seleciona apenas o que há de mais saliente nelas –o aparecimento de um vírus novo e mortífero, como muitos o descrevem. Pânico e incerteza, mesmo da parte de governantes, se seguem. Afinal, para o nosso eu primitivo faz parte do processo adaptativo se preparar sempre para o pior.
A consequência, mais uma vez segundo essa hipótese, é produzirmos um mal muito pior com as inseguranças políticas e econômicas do que o vírus seria capaz por conta própria. Afinal, a letalidade é de apenas cerca de 2%.
Mas gente, sei lá, eu confesso que até passei álcool gel em minhas mãos enquanto escrevia este texto. A verdade é que a histeria, a queda da bolsa e a alta do dólar vão somar muito mais sofrimento ao quadro do vírus do que seria, a priori, o necessário. No entanto, admito que desconfiaria de um psicólogo metido a dar conselhos de epidemiologia.
Eu não sei responder se deveríamos ficar preocupados com esse vírus. Para as autoridades médicas das Nações Unidas, medidas de contenção e higiene devem ser levadas a sério. Eu prefiro acreditar em quem conhece o assunto.
Cá entre nós, 2% dos infectados morrendo, se essa doença se espalhar sem controle, será gente à beça. Uma das minhas séries favoritas, The Leftovers (baseada em um livro homónimo do Tom Perrota) , é sobre o caos que se seguiria se coincidentemente 2% da população do mundo desaparecesse de uma hora para outra. Isso mesmo, o caos criado pelo desaparecimento de 140 milhões de pessoas. Não é uma série de comédia, mas um drama terrível em que vemos como quem permanece precisa se reinventar após esse sumiço.
Não parece, claro, que o coronavírus vá matar tanta gente assim. A falta de um mistério sobrenatural, como na série e livro, também alteram em muito o cenário. Mas vale lembrar que 2% de todo o mundo é, sim, gente pra caramba. Isso sem falar no que vai acontecer com os hospitais e com a saúde pública em países como o Brasil se o vírus rolar solto.
Tudo isso para dizer: há um meio-termo. Não, nós não devemos procurar psicólogos para nos explicar o funcionamento de um vírus nem para dar esse tipo de notícia sobre o desenvolvimento da doença. Isso ainda precisa ficar nas mãos das autoridades competentes –os médicos e especialistas que vão nos ajudar a encontrar o que fazer no meio da crise. Mas podemos (na verdade, deveríamos) perguntar para o psicólogo as maneiras como guiar o comportamento das pessoas para colocar em prática as medidas receitadas pelas agências sanitárias.
Quando, por exemplo, isso foi feito com o surto de ebola em Serra Leoa e na Guinea, na África, vimos como soluções simples, eficazes e respeitosas com a cultura local puderam ser encontradas. Segundo o relato de Atkins e colaboradores, no livro Prosocial (sem tradução para o português), o uso do conhecimento que nós, psicólogos, temos sobre comportamento humano faz toda diferença na implementação das medidas sanitárias necessárias diante de crises na saúde. No caso do ebola, nas regiões onde isso não foi feito, como em algumas aldeias na Guinea, os ritos de beijar e honrar os mortos foram mantidos mesmo frente aos alarmes das autoridades sanitárias estrangeiras. Daí que, nessas áreas, a doença se espalhou enquanto voluntários passaram a ser acusados de trazer o mal.
Já a história dos locais que tiveram mais sucesso no controle dessa infecção é interessante e envolveu enterrar troncos no lugar dos familiares perdidos para a doença. Vale a pena conferir, nem que seja para lembrar que a psicologia pode ter um lugar de destaque em uma epidemia –que sua função não se limita a um espaço de acalmar todos.
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