Nova forma de suicídio: pessoas que se expõem ao coronavírus para se matar
É consenso entre os que trabalham com saúde mental: o novo coronavírus vai aumentar os quadros de ansiedade e de depressão. Imagine os milhares de viúvas, viúvos e órfãos que deverão surgir, angustiados. E os pais que veem um filho morrer precocemente. Além disso, não se pode esquecer de médicos, enfermeiros e outros profissionais na linha de frente que testemunham a barbárie de um sistema de saúde sobrecarregado.
E isso sem falar na gente —em, basicamente, o resto do mundo inteiro que precisou ver a sua normalidade virada do avesso. Homens e mulheres trancados em casa, distantes das atividades que lhes davam prazer e que traziam significado para suas vidas. Todos esperando o momento em que ansiedade vai se converter em irritação e tristeza. Não será fácil para as nossas cabeças.
Não é de se surpreender que psicólogos e psiquiatras estejam preocupados, apontando que, além de todos os danos à saúde física, a covid-19 ainda poderá precipitar muitas mortes por suicídio. Ora, a gente sabe que em outras grandes epidemias, como na da gripe de 1918 e na da Mers na Ásia, em 2012, as taxas de suicídio aumentaram nos países mais afetados por essas moléstias.
Mas nem precisamos ir muito longe, pois alguns trabalhos sobre a relação entre o Sars-Cov-2 e o suicídio já começaram a pipocar. O que achei mais interessante foi realizado por meio de uma plataforma online, liderado pelos pesquisadores Ammerman e Burke, das universidades americanas Notre Dame e Brown. A dupla fez perguntas para quase mil pessoas sobre a sua saúde mental no último mês, tendo como foco eventuais pensamentos suicidas e a relação destes com a pandemia atual.
O que os dois pesquisadores descobriram foi impressionante: 18% das pessoas relataram ideações suicidas no último mês e 5% chegaram a se engajar em algum comportamento desse tipo. Entre elas, 65% disseram que o coronavírus surgia nesses pensamentos em pelo menos parte do tempo.
No entanto, o que mais me surpreendeu foi que aproximadamente um em cada dez participantes da pesquisa admitiram ter tentado se expor de forma proposital (e desnecessária) ao vírus. Pior ainda: metade dos que fizeram isso se expuseram com intenções suicidas. Em outras palavras, tem muita gente que, no meio de seu sofrimento e angústia, está correndo o risco de contrair o vírus como forma de se matar.
A situação é duplamente preocupante. Primeiro, pelo sofrimento psíquico a que essas pessoas estão submetidas e pela ameaça à integridade física delas próprias. Depois, porque esse comportamento, caso se torne generalizado, deve atrapalhar as medidas de isolamento físico que foram colocadas em prática para conter a disseminação do vírus.
O caminho fácil, ao conhecer essa realidade, é o do ódio. Ou, em outras palavras, o da preguiça intelectual e da falta de empatia. Entoar em coro expressões como "deviam tomar vergonha na cara" ou "mereciam morrer mesmo" só gera mais raiva e isolamento —e, assim, mais ideação suicida e tentativas de contágio.
Não, é preciso procurar outra estrada. Talvez já esteja mais do que na hora de a gente olhar para o que o suicídio indica: sofrimento e sensação de aprisionamento. Quem sabe, se conseguir fazer isso, a gente poderá estender a mão para quem está nesse estado. E, assim, diminuir a probabilidade desse comportamento, que é ao mesmo tempo egoísta e desesperado.
Além disso, esse tipo de suicídio traz mais um ingrediente para as difíceis tomadas de decisão das lideranças políticas em relação à quarentena. Esse jogo não é feito apenas de economia e saúde física. Deve considerar como algumas pessoas se sentem e se desesperam ao planejar o momento e a maneira de encerrar o confinamento.
Mais ainda: os políticos deveriam perguntar para quem entende de comportamento humano como é possível fazer com que as pessoas suportem de um modo mais saudável esse período de incertezas. Spoiler: com mensagens claras sobre o que está acontecendo e qual a perspectiva; com a garantia de renda mínima e de alimentação; com o acesso a internet ou a alguma forma de entretenimento; com linhas de telefone com voluntários treinados para escutar e prestar os primeiros socorros psicológicos, encaminhando os cidadãos para serviços de psicoterapia e psiquiatria quando apropriado.
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