Ansiedade pós-pandemia: as pessoas que não vão querer mais sair de casa
Muita gente está ansiosa para o fim da quarentena. Mal pode esperar que esses dias de confinamento finalmente acabem. Querem abraços, bares abertos e uma vida que se pareça com a de 2019.
Já outros, mesmo que saudosos dessas mesmas coisas, estão morrendo de medo do momento em que deverão voltar para as ruas.
Não é difícil de entender o porquê. Ficaram mais de dois meses trancados em casa ouvindo relatos do fim do mundo. O vizinho, o padeiro e a caixa do supermercado quase deixaram de ser vistos como seres humanos para serem encarados como possíveis vetores de transmissão.
Isoladas, higienizando as compras antes de guardar tudo na despensa, essas pessoas construíram uma muralha para garantir sua segurança em meio a pandemia. E, depois, ouvir autoridades mascaradas talvez não seja o suficiente para convencê-las a destruir esse muro assim de uma hora para outra. Nessa lógica, parece sensato manter as portas fechadas e se proteger de todo o mal que venha de fora. Afinal, nada mais humano do que querer se resguardar da doença e da morte
No entanto, eu não acredito que seja apenas o medo da finitude da vida que alimente a vontade de alguém se manter em quarentena. A incerteza sobre o mundo que se formará após a covid-19 ir embora é um motor importante para essa ansiedade.
Ninguém sabe qual realidade nos espera do lado de lá da quarentena. Como será o tal do novo normal? Como funcionarão as escolas, as baladas,os escritórios? Só de imaginar essas perguntas, indivíduos ansiosos começam a sentir um frio na barriga. Ter que dar adeus à vida que conheciam — e aceitar que isso talvez não seja só uma fase breve e passageira — é algo doído. E, de forma paradoxal, retomar a convivência em uma sociedade transformada depois da quarentena exige que a gente abandone de vez a esperança de um retorno rápido à vida normal. Esse abandono é temido.
Ainda que pareçam medos bastante distintos —o de morrer doente e o de encarar o mundo transformado —, uma mesma raiz nutre ambos. Ela seria a intolerância às incertezas.
A dificuldade para lidar com o "é possível" costuma estar por trás das mais variadas formas de ansiedade — daquela gerada pelo avião que "pode" cair (ainda que o acidente aéreo seja muito improvável) até aquela que emerge só de lembrar que o chefe que "pode" lhe demitir (muitas vezes, uma probabilidade igualmente distante). E, no fundo, nada disso é tão diferente dessa ansiedade que surge no cenário atual, a da volta às ruas.
Se ainda nutríamos esperança de que poderíamos prever e controlar nosso futuro —como deseja boa parte dos ansiosos — a pandemia é um lembrete constante da futilidade desses anseios. Mais do que nunca está óbvio: as coisas podem dar profundamente errado. Podem —e esse é o verbo, como disse, que cria o mal-estar na ansiedade.
A solução pouco convencional é justamente aceitar isso. Nossa cabeça faz planos e gosta de ordem e previsibilidade. Essa não é nossa realidade, mas não podemos impedir que ela queira nos proteger. Por isso, deixe que ela brinque de transformar a realidade em fantasias. A liberdade começa quando paramos de tentar controlar o incontrolável (nossa mente, a pandemia…), para ir em direção ao que é importante, nossos valores. Sejam eles o trabalho que nos sustenta (no momento certo) ou trancar a porta de casa e se isolar (em outro momento certo).
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