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Blog do Dan Josua

'Quando a pandemia vai acabar?' Estamos chegando ao limite psicológico

Dan Josua

16/07/2020 04h00

Crédito: iStock

Deu, né?

Você provavelmente já se viu pensando isso. Mesmo que o seu lado racional saiba que é preciso esperar a autorização dos especialistas e que o cenário talvez seja mais complicado do que parecia a princípio. Mesmo que você esteja com receio de voltar ao convívio com as pessoas nas ruas  e que tenha se tornado um pouco fóbico social, até. Mesmo que você se lembre de lavar as suas mãos em casa caprichando por 20 segundos religiosamente… Enfim, mesmo com tudo isso, a sua cabeça deve lhe falar de vez em quando: "acho que já deu disso tudo".

E não é apenas a sua cabeça: são os banhistas na praia, as pessoas lotando calçadas em frente a botecos e festas clandestinas. Todos eles são testemunhas desse cansaço acumulado. Em muitos cantos encontramos ecos desse saco-cheio coletivo.

Se o debate em torno da quarentena parecia se dar em torno de apenas dois eixos –de um lado as pressões do mercado de trabalho, de outro os especialistas em saúde e medicina – o fim do distanciamento social, possivelmente, será mais prosaico. Nossas motivações individuais foram solenemente ignoradas por um tempo e agora, por causa delas, corremos o risco de uma reabertura desgovernada.

Para que uma retomada organizada fosse viável, seria necessário levar em conta as dimensões sociais e psicológicas.  A necessidade de contato social, por exemplo, não pode mais ser ignorada. Do contrário, jovens (e mais velhos) simplesmente seguirão piorando a tendência atual e se encontrando (e se abraçando e se beijando) a despeito das recomendações oficiais.

Por exemplo, talvez seja possível dar orientações, especialmente àqueles que ainda não têm necessidade de trabalhar fora de casa, de como aumentar de maneira mais controlada o círculo de contato – uma rede fechada de dez pessoas no máximo, parentes e amigos, quem sabe.  Isso pode fazer mais sentido do ponto de vista médico do que sair abraçando todo mundo e, ao mesmo tempo, atenderia a uma necessidade psicológica básica que seria a de contato social e físico. É dessa falta, principalmente, que vem aquele "deu, né?".

Para ter uma ideia, a noção de que viver solitário é um problema importante é tamanha que o Reino Unido criou  bem, antes de toda essa pandemia, um Ministério da Solidão para lidar com a questão de forma mais aprofundada e apoiar a população que vivia sozinha. E, óbvio, esse não é um problema exclusivo dos britânicos. Acontece no mundo inteiro e eles apenas decidiram encará-lo antes dos outros. Tudo leva a crer que esse mesmo problema se ampliou nos últimos meses.

Por um tempo o medo da doença pode até ter colocado a necessidade de contato com os outros em segundo plano, mas já é de se esperar que a apreensão esteja diminuindo e que a saudade latente queira dar as caras.

Em outra dimensão, propagandas bem pensadas sobre o uso de máscaras –em adição às ideias punitivas já aventadas – podem ser essenciais. Escrevi anteriormente, por exemplo, que a resistência ao uso de máscara é muito maior em homens conservadores. Campanhas que visem essa população, portanto, deveriam ser uma prioridade.

Na minha opinião, todas essas estratégias precisariam ser embasadas não só nos conhecimentos da medicina e da economia. Está mais do que na hora de exigirmos a colaboração da psicologia e da sociologia nas políticas públicas.

Precisamos ter espaço para declarar em voz alta o que sabemos no íntimo de nossas cabeças: todos nós, a sociedade, estamos chegando perto do nosso limite psicológico. E isso precisa ser considerado, se não quisermos o caos e uma segunda onda de transmissão do vírus. A pandemia do medo está acabando e, quando ela for embora de vez, será difícil convencer milhões de pessoas sedentas de conviver com os outros a se trancarem em casa.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

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