Precisamos segurar nossas próprias dores com carinho. Mas como é difícil!
"Podem abrir os olhos", disse o palestrante. Então, em um auditório com umas 200 pessoas, ele notou os soluços engolidos da mulher na plateia, se sentou ao seu lado e perguntou:
— Há quanto tempo você carrega essa dor?
— A vida toda. Desde que era uma menina e não conseguia entender a distância e a frieza da minha mãe, ou a irritação e a impaciência do pai. Às vezes acho que tem algo estragado em mim.
— E você quer se livrar dessa dor?, perguntou.
"Quem quer carregar um fardo desses", ela respondeu sem palavras, apenas anuindo silenciosamente com a cabeça, enquanto ainda brigava com a própria respiração.
— Você tem filhos?, ele perguntou aparentemente mudando de assunto.
— Um menino de 4 anos.
— Eu vou retirar a sua dor. Sou terapeuta há tanto tempo que me tornei praticamente um mago — ele começou a dizer com doçura e sem provocar nenhuma risada. "Só tem um detalhe. Um dia seu filho vai chegar em casa com uma dor parecida. É um ser humano e em algum momento a vida ainda vai bater nele. E ele vai se perguntar por que foi rejeitado, por que é burro ou por que não é digno de amor. Se eu tirar a sua dor agora, você não vai entender nada do que ele estará falando. Vai sorrir e pedir para ele não pensar nisso. Sentindo-se ainda mais solitário, ele irá para o quarto. Vai fechar a porta para sofrer sozinho. Exatamente como você, seu filho esconderá a dor e a carregará pela vida inteira. Vai se casar e ter filhos e sorrir para a foto — como você. Mas, por dentro, sempre haverá uma luta e uma vergonha de quem se imagina a única pessoa a se sentir desse jeito."
O rosto dela se contorceu. Mesmo sabendo que ele não poderia tirar a dor de ninguém, ela afastou um pouco sua cadeira.
— Não. Eu prefiro ficar com a dor.
O palestrante sorriu sem mostrar os dentes e voltou para o palco. A aula seguiu sem mais qualquer comentário do assunto.
Nada precisou ser dito, pois o óbvio já estava no ar. A moça da plateia não estava quebrada, não precisava de concerto. A cicatriz, a dor, não fazia dela menos, nem mais. Sofrer é o custo de ser humano. E acolher o nosso sofrimento é abrir espaço para que outras pessoas possam se sentir perto da gente.
Não beijamos o machucado de uma criança porque acreditamos que isso ajuda na cicatrização. Fazemos isso para lembrar: aqui há cuidado.
*******
O texto poderia terminar no parágrafo acima. Para bom entendedor, meia palavra basta, etecétera e tal. Mas, me desculpem, eu vou martelar essa ideia.
O ponto todo é perceber como aprendemos a nos sentir sozinhos, imaginando que a dor é apenas nossa. E que só seremos aceitos quando jogarmos essa dor para dentro e aprendermos a sorrir para a foto.
Mas aí alguém vem e nos lembra das pessoas que amamos. Nos lembra que elas também podem estar usando as suas máscaras. E tudo fica óbvio: não queremos que elas escondam nada. As dores delas nos convidam a cuidar e não a punir. Raramente condenamos essas pessoas queridas por suas fragilidades. Ao contrário, tendemos a sentir uma aproximação.
Pare para pensar: de quem você se sente mais próximo, de quem tem apenas risadas e boas notícias para dar ou de quem lhe confessou uma fraqueza em uma madrugada qualquer? Pertencer, no final das contas, é poder ser simplesmente humano com alguém.
Para isso precisamos segurar nossas próprias dores com carinho. Mas como é difícil.
Quem quiser saber mais sobre psicologia e saúde mental, agora eu estou tagarelando também no Instagram. Você me acha aqui!
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