Afinal, o que é felicidade? O que precisamos para construir um novo tipo
Felicidade é um desses conceitos estranhos. É importante demais para a gente simplesmente desistir dele e amplo demais para sabermos exatamente o que queremos dizer quando usamos essa palavra. No meio dessa complicação, com frequência usamos a expressão felicidade sem prestar atenção ao significado que estamos emprestando a ela.
A primeira confusão é entender a felicidade apenas como um sentimento agradável. Mas pense bem: o que significaria se ela fosse apenas uma sensação quente que sentimos quando coisas boas acontecem? Simplesmente, ninguém poderia se dizer feliz por mais do que alguns instantes de cada vez. Portanto, como um sentimento, felicidade seria um estado pouco relevante para as nossas vidas e ir atrás dela seria de uma futilidade sem tamanho.
O leitor mais cínico talvez esteja pensando que esse, justamente, é o ponto. Seres humanos têm um buraco sem fim em seu peito e nunca vão se sentir completos —é o que se diz muito por aí. Mas esse cinismo é somente mais uma forma de repetir o raciocínio simplista de considerar felicidade apenas como um sentimento. Só que felicidade pode ser muito mais do que isso.
Felicidade tem a ver com uma direção e não com um destino. A melhor felicidade de que dispomos é caminhar por uma vida onde escolhemos a qualidade que daremos aos nossos atos. Felicidade é emprestar significado aos nossos dias.
Assim, é possível ser feliz e chorar ao mesmo tempo. Nossos fracassos, dores e arrependimentos podem ser tijolos na estrada de uma vida feliz. A ideia talvez pareça desagradável porque fomos convencidos de que deveríamos sentir apenas as sensações agradáveis da vida. Mas pare um pouco comigo para a gente pensar sobre isso.
Imagine que a pessoa que você mais ama no mundo está doente. Feche os olhos por dois segundos e veja o rosto dela sereno e triste enquanto sabe que esse é o seu fim. Pouco antes de partir, ela pede que você fique ao seu lado e lhe dê a mão. A despedida de vocês.
Nesse momento, um médico chega e lhe oferece duas opções: você poderia tomar um calmante que lhe apagaria até o dia seguinte e não precisaria sentir nada enquanto essa pessoa estivesse morrendo. Ou poderia entrar no quarto para lhe segurar a mão. O que você escolheria? Qual caminho poderia levá-lo à felicidade?
Alguns estudos demonstraram que a disposição para sentir dor emocional está positivamente associada com o bem-estar e a saúde mental. É isso mesmo: se você escolheu o caminho da pílula, tem maiores chances de receber um diagnóstico psiquiátrico em algum momento da vida.
Felicidade, portanto, é encontrada (também) no abraçar da dor.
Uma segunda confusão sobre o conceito de felicidade acontece em muitas das conversas sobre "propósito" que escutamos por aí. Apesar de bem intencionada, a palavra "propósito" facilmente engana. Isso porque confundimos propósitos com metas e deixamos nossos valores de lado enquanto entramos na corrida de ser sempre mais. Perdidos em um papo vago sobre propósitos, é fácil cair na cilada do sucesso em que não importam os nossos atos, mas os símbolos de nossas vitórias.
Passamos, por exemplo, a nos preocupar com ter um carro e com a conta no banco ou, talvez com o número de seguidores nas redes sociais —e acabamos nos sentindo vazios ao precisar de cada vez mais. Mais estudos apontam o que talvez você já suspeite: dar valor a esses ganhos de aparências, priorizando-os, está positivamente associado com sofrimento mental. Em outras palavras, ganhar dinheiro e status pode até ser bom, mas viver a vida em função disso pode nos deixar miseráveis.
Para encontrar a felicidade não é necessário um propósito grandiloquente ou grandes conquistas: é mais útil pensar no significado que vamos dar ao nosso próximo gesto, seja ele qual for.
Pense: se você morresse agora e seu fantasma pudesse assistir em silêncio a sua família e os seus amigos se despedindo do seu corpo, o que você gostaria de ouvir? Sobre como o seu carro era bonito? Ou sobre a qualidade de suas relações ou as coisas importantes que você defendeu em vida? Pois é… De repente, o mais caro dos carros parece insignificante e ficam as perguntas realmente importantes. Como você gostaria de ter vivido?
Se, ao fazer esse pequeno exercício, você pensou em doçura, então deixe impregnar doçura no seu próximo encontro, seja ele com quem for. Até mesmo sozinho, é possível investir nisso: simplesmente seja gentil consigo mesmo. Pensou em honestidade? Então, pegue o telefone e desfaça um mal entendido. E assim por diante.
Eu escrevo esta coluna há quase três anos e, nesse mesmo exercício, está mais do que na hora de eu sair do automático e pensar: como eu quero escrevê-la?
Comecei aqui no UOL com a ideia de tentar oferecer um lugar de acolhimento no meio da loucura do mundo lá fora. Confesso que fiquei seduzido com as luzes —muito chique estar por aqui, afinal. Nem nos meus sonhos mais otimistas achei que teria essa oportunidade.
Ao longo desses anos, acabei me perdendo algumas vezes com essas luzes. Fiquei preocupado com o comentário virulento ou com o número de visualizações no post. Agora, no fim da estrada, é fácil ver a bobagem disso tudo. Os momentos importantes foram os que vendi doçura, onde defendi a verdade (como a vejo).
Hoje, quando esse diálogo na UOL termina, isso tudo fica ainda mais óbvio. Saio daqui com tristeza no peito —mas verdadeiramente feliz. Sei que estendi a mão —e torço para que alguém a tenha segurado. Uma pessoa que seja já terá feito valer todo o esforço. Mesmo com críticas, mesmo com mágoas e decepção, posso me despedir com a tranquilidade de quem defendeu o que importava.
Mas, atenção, não vou daqui para o silêncio! Vou, simplesmente, para um espaço meu. Um lugar onde eu vou treinar esse diálogo gentil —e aguardar a sua resposta. Quem sabe eu posso encontrá-lo por lá para construirmos, juntos, um novo tipo de felicidade?
Também estarei tagarelando no Instagram, viu? Espero que me procure por lá!
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