Topo

Histórico

Blog do Dan Josua

Como não perder a cabeça na quarentena? 8 dicas aos pais e adultos em geral

Dan Josua

19/03/2020 04h00

Crédito: iStock

Que a covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus, vai levar muita gente para o hospital causando problemas econômicos e sociais importantes, todo mundo sabe. Mas o que tem pouca gente enfatizando é o que acontecerá com a saúde mental de todos nós. Vai ser difícil não perder a cabeça.

De um lado, a preocupação razoável com as pessoas que amamos e estão no grupo de risco. De outro, a tensão e o enfado trazidos pelo confinamento. Até mesmo para aqueles que conseguem trabalhar de casa, o afastamento vai pesar. Encontros com amigos, almoços em família, festas, restaurantes, cinema —nada disso é aconselhado. E o isolamento social é sabidamente um dos maiores fatores de risco para a depressão e até mesmo para o suicídio isto é, o isolamento social pode produzir os sentimentos característicos da depressão. E sabe o que mais produz essas sensações? A exposição crônica a estressores como ser bombardeado o dia inteiro por notícias catastróficas.

Em tempos de covid-19, essa parece ser a regra de nossas vidas: não importa para onde olhamos e lá está uma informação terrível sobre o vírus. Idosos vão sofrer, os hospitais vão lotar, até crianças podem adoecer –sem falar na queda da bolsa de valores, na alta do dólar e na dificuldade para comprar papel higiênico. É (quase) impossível se manter são da cabeça diante de tanta notícia ruim.

Isso sem falar naqueles que, como eu, ainda precisam dar conta de crianças ou bebês presos no tédio de um apartamento. Confesso que estamos, desde que a minha filha apresentou sintomas de gripe há uma semana, em quarentena em casa e que tivemos de aprender algumas lições importantes. Abaixo um guia inspirado pelo que sabemos da psicologia científica. A primeira parte vale para todo mundo. No final, algumas dicas são especiais para os pais.

1. Tire o pijama e saia da cama

Trabalhar de casa acaba afrouxando um tanto a nossa rotina. Como os horários ficam mais flexíveis, não precisamos nos arrumar para ficar em frente ao computador. Pior ainda é o cenário para aqueles que estão presos em casa, mas sem poder trabalhar. Não tem Netflix que dê conta do tédio que vai crescendo.

A dica é: saia da cama, troque de roupa e seja produtivo. Mesmo que ninguém do seu trabalho vá lhe ver, tirar o pijama e vestir-se para o trabalho vai lhe ajudar a se conectar com o mundo lá fora. Até tarefas que parecem estressantes, como fazer faxina, podem ser bons "antidepressivos" – a sensação de ver a casa ficando arrumada e de sentir uma utilidade em nosso movimento é importante para combater o marasmo triste que ser obrigado a ficar em casa traz.

Aproveite para aprender a cozinhar, colocar a arrumação daquele armário em dia, separar roupas para doação etc. Como quem tenta fazer limonada de limões bem azedos, vale a pena se perguntar, durante o isolamento, quais eram aqueles hobbies que você queria começar, mas sempre acabou empurrando com a barriga. Chegou o momento de todo mundo aprender a fazer tricô e a tocar violão. Aulas de idiomas online também podem ser uma atividade muito legal e útil para quando as coisas voltarem.

2. Faça exercícios físicos

Temos muitas evidências dos benefícios dos exercícios físicos para a nossa saúde mental. Escrevi sobre isso de forma mais detalhada anteriormente. É claro que estar preso em casa vai tirar a energia que costuma nos levar até a academia, mas vale o esforço. Compre uma corda ou procure um dos milhares de vídeos no Youtube que ensinam alguma modalidade física que pode ser realizada em quase qualquer lugar. Aulas de ioga e exercícios com o peso do próprio corpo são boas ideias para começar.

3. Invista no mindfulness

Sim, eu sei que mindfulness (atenção plena, em português) virou modinha. Mas talvez tenha um bom motivo para isso –hoje temos centenas de estudos mostrando que pessoas ansiosas são muito ajudadas por essa prática. O que é fundamental, antes de mergulhar em um dos muitos apps que oferecem meditações guiadas, é entender que a essa prática não vai eliminar a sua ansiedade. Mas aos poucos você pode construir uma relação melhor com ela. O que talvez seja exatamente o que o momento está pedindo.

4. Cuidado com o excesso de informações

Muitas vezes, ao ficar ansioso, a gente acaba entrando no modo "resolução de problemas". Essa é a maneira como o nosso corpo se prepara para enfrentar um perigo se percebe sinais de que algo ruim está por perto. No mundo natural, isso significa ficar atento para o movimento das árvores para garantir que nenhum predador vá nos atacar, por exemplo. No mundo do coronavírus, ninguém sabe ao certo para onde atentar. Nenhuma atenção redobrada vai nos proteger dos problemas que esse vírus irá trazer.

Nessa confusão, é comum que pessoas passem a checar todas as notícias –sempre tentando prever e controlar o comportamento desse "predador", que por ora ainda é um tanto imprevisível e incontrolável. O problema é que, no universo de informações constantes em que vivemos, essa árvore não vai parar nunca de chacoalhar e sinalizar perigo. Daí que vamos ficar cada vez mais amarrados a esse ciclo de ir atrás de mais e mais notícias. Acredite, saber os detalhes da situação de Singapura ou de qualquer outro país não vai ajudar a sua sobrevivência e nem a sobrevivência de sua família.

Em outras palavras, ainda que seja importante se informar, também é importante saber a hora de parar de correr atrás de notícias em excesso.

5. Mantenha o isolamento e a distância física, mas procure pontes

Cada vez mais, as políticas de saúde pública apontam o isolamento social como único caminho nos tempos de coronavírus. Está acontecendo na Ásia, na Europa e em parte dos Estados Unidos – e começa a acontecer na América Latina também. A questão é que somos um ser social e ansiamos por contato.

Se é possível e seguro, fique com a sua família mais próxima. Se isso não é possível, procure por alternativas tecnológicas. É lógico que não é a mesma coisa ver alguém pela tela de um computador, mas isso é melhor do que nada. Hoje mesmo, jantamos com o computador ligado enquanto minha cunhada e meus sogros jantavam em suas casas. Não é igual a dividir a mesma mesa, mas já quebrou um pouco do peso do isolamento. O ponto é: teste novas possibilidades de interação, porque elas podem ser melhores do que você imagina.

6. Sol, sono e alimentação saudável

Pode parecer banal, mas essa combinação é fundamental para mantermos nossa sanidade. Abra a cortina. Tente não trocar o dia pela noite e procure manter uma alimentação balanceada. Somos, antes de mais nada, um corpo –e o humor de nossa mente é reflexo da saúde desse corpo.

7. Abra mão de controlar o incontrolável

Uma prece muito divulgada nos Alcoólicos Anônimos vem a calhar nesse momento. Diz ela: "conceda-me a serenidade para aceitar aquilo que não posso mudar, a coragem para mudar o que me for possível e a sabedoria para saber discernir entre as duas".

Está na hora de colocarmos em prática, todos, a sabedoria por trás dessas palavras. Não vamos mudar, individualmente, o rumo da doença, mas podemos fazer a nossa parte. Aceitando, mesmo que com a boca amarga, a realidade como ela é. Incluindo nessa aceitação o que não podemos mudar e a coragem de darmos os nossos pequenos passos.

Não podemos mudar o fato de que um novo vírus surgiu e que ele está se alastrando pelo mundo. Mas podemos, ao seguir as orientações das organizações da saúde, diminuir a velocidade com que ele se espalha e assim salvar muitas vidas. Pode parecer pouco, mas a escolha de não sair de casa hoje pode ajudar uma pessoa a encontrar um leito vazio no hospital na semana que vem. Com esse sacrifício de isolamento, podemos salvar vidas. Relembre o que há de mais valoroso atrás de nossos incômodos. São esses valores –ajudar o próximo, por exemplo – que dão significado para o nosso sofrimento.

8. Aos pais de crianças, especificamente

Estar preso em casa com filhos é particularmente desafiador. Lembre de procurar por aquelas atividades que nós fazíamos antes desse tempo de internet. Tire o pó de velhos jogos do armário e procure por atividades para toda a família. Existem aulas de ioga e meditação para crianças a partir dos 2 anos na web –comece a praticar essas modalidades com elas. Encontrar maneiras não destrutivas de gastar energia será essencial.

Além disso, na medida do possível, mantenha a rotina dos pequenos. Horário para acordar e para dormir, bem como para as refeições, são essenciais para a saúde física e emocional das crianças. O que vale para os adultos também vale para a meninada: troque os pijamas e coloque uma roupa limpa no seu filho. É preciso, mesmo na quarentena, manter ao máximo uma rotina normal possível.

E, acima de tudo, converse com o seu filho ou filha no nível de complexidade que ele ou ela é capaz de compreender. Comece perguntando para a criança que parece preocupada o que ela sabe sobre a situação. Talvez ela esteja com medo de morrer ou que seus avós venham a falecer pelo que escutou por aí. Talvez ela esteja simplesmente confusa e perdida sem ter recebido nenhuma informação.

Talvez, por outro lado, ela tenha recebido uma série de vídeos e imagens pela internet que não são apropriadas para a sua idade. Aliás, esse é um bom momento de garantir alguma segurança digital para as crianças menores e esclarecer com sobriedade a situação.

Não finja que nada está acontecendo –crianças são mais espertas do que imaginamos e provavelmente não irão acreditar completamente em um conto de fadas enquanto veem sua rotina desmoronar. Acredite, quando as coisas claramente estão diferentes, a sensação de que os pais e os cuidadores estão escondendo algo pode ser mais angustiante do que uma comunicação sincera e bem pensada.

Fale dos fatos e tente tranquilizar a criança sem invalidar seus medos. Você pode dizer algo como: "Eu sei que dá medo ver todo mundo preso em casa, mas crianças e jovens não estão sofrendo tanto com a doença. Viemos todos para casa para proteger as pessoas que precisam de cuidado. Ficando em casa, ajudamos os médicos e médicas em seu trabalho para tratar dos doentes. Cada um vai ter que contribuir com o seu tijolo, mesmo que às vezes isso parece insuportavelmente chato. Sabe filha(o), muitas das coisas mais importantes da vida têm momentos muito irritantes mesmo. Mas a gente faz o que pode para cuidar de todos à nossa volta. Você ajuda o papai e a mamãe em casa?".

Essa pode ser a primeira lição de civilidade na vida de nossas crianças. Não vamos desperdiçá-la com maus exemplos e mentiras.

Sobre o autor

Dan Josua é psicólogo, mestre em Psicologia Clínica pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Fez especialização em Terapia Comportamental e Cognitiva pela USP (Universidade de São Paulo) e tem formação em Terapia Comportamental Dialética pelo Behavioral Tech / The Linehan Institute, nos Estados Unidos. Atua como pesquisador e professor no Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento e dá cursos pelo Brasil afora ajudando a difundir a DBT pelo país.

Sobre o blog

É muita loucura por aí. Trânsito, mudanças climáticas, tensões em relacionamentos, violência urbana, maratona de séries intermináveis, spoilers em todos os cantos, obrigação de parecer feliz nas mídias sociais, emoções à flor da pele. O blog foi criado para ser um refúgio de tudo isso. Um momento de calma para você ver como a ciência do comportamento humano pode lhe ajudar a navegar no meio de tanta bagunça.

Blog do Dan Josua